A melhor do mundo merecia mais respeito

Pergunta feita no palco à primeira mulher a receber a Bola de Ouro durante cerimônia de premiação em Paris é lembrete da batalha diária contra o preconceito no futebol feminino, opina o jornalista James Thorogood.

Ada Hegerberg

Se alguma vez houve uma noite em que uma mulher ocupou o centro do palco num "mundo dos homens", isso ocorreu nesta segunda-feira (03) na cerimônia de premiação da Bola de Ouro da revista France Football.

Foi uma noite de brilho e glamour, destinada a destacar desempenhos individuais excepcionais ao longo do ano, mas que também teve um momento marcante para o futebol feminino.

Uma primeira Bola de Ouro, que deu ao futebol feminino o respeito e o reconhecimento que merecia e, em Hegerberg, uma vencedora digna não só pelos seus esforços dentro, como também fora do campo.

"Quero agradecer às minhas companheiras de equipe, porque tudo isso não teria sido possível sem elas. Obrigada ao meu clube, ao nosso presidente, Jean-Michel Aulas", disse Hegerberg na cerimônia no Grand Palais, perto da Champs-Élysées. "Também quero agradecer à France Football. Este é um grande passo para o futebol feminino."

Enquanto Luka Modric quebrou a hegemonia de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo no prêmio masculino, Hegerberg aproveitou a oportunidade para tentar quebrar a hegemonia da desigualdade em relação ao futebol feminino – assunto em que ela é uma voz atuante.

"Muitas coisas precisam ser feitas para tornar as condições melhores para as mulheres que jogam futebol", disse ela sobre sua decisão de deixar a seleção norueguesa. "Tudo tem a ver com a forma como respeitamos o futebol feminino. Não acho que tenha havido respeito aí. Às vezes, você tem que tomar decisões difíceis para se manter fiel a si mesma. Mas desejo o melhor para a seleção nacional. Apenas seguimos dois caminhos diferentes no momento. Não me arrependo da decisão que tomei."

Em um discurso poderoso, ela não apenas usou a plataforma para promover o futebol feminino de maneira positiva, ela também deu às jovens mulheres algo a que aspirar em um contexto esportivo e pessoal.

"Às vezes, você tem episódios ou situações em que sente, 'droga, estamos num mundo que é tão de homens'", ela disse. "Isso pode ser numa situação cotidiana, sendo uma mulher, francamente. Fora do campo também. Há muitas discussões para levar e trazer à mesa como uma mulher em 2018. Ser jogadora de futebol feminino e ganhar a Bola de Ouro nesta noite é um passo para eu tomar essa atitude, pessoalmente", ressaltou. "Eu gostaria de terminar este discurso com algumas palavras para as jovens no mundo todo: por favor, acredite em vocês."

Foram palavras que forneceram verdades cruéis, mas também transbordaram classe. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito para o tipo de pergunta de Martin Solveig depois de ela ter feito um discurso tão forte: "Você sabe como dançar twerk?"

Foi uma pergunta grosseira e inadequada, que sublinhou exatamente as questões que a jovem de 23 anos havia abordado. Num momento em que Hegerberg estava sendo justamente reconhecida por suas realizações esportivas, uma dança provocativa se tornou o ponto de discussão – a reação da norueguesa e da plateia falou por si.

Embora alegar que ele tenha roubado a cena de Hergerberg naquele momento seja dar a Solveig um destaque excessivo, não há como fugir do fato de que ela merecia algo melhor.

Após as críticas nas mídias sociais, o DJ pediu desculpas. Independentemente de suas intenções, entretanto, esse infelizmente foi um lembrete claro da batalha árdua que as atletas ainda enfrentam diariamente.

Para Hegerberg, a Bola de Ouro foi um "grande passo adiante para o futebol feminino". E é assim que o evento momento deve ser lembrado. É uma pena que uma pergunta tenha ameaçado jogar tudo dois passos para trás.