Embaixada do Brasil em Jerusalém: entre o pragmatismo e a ideologia

Na semana que passou, Jair Bolsonaro reafirmou que pode transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Se concretizada, essa medida poderá alterar profundamente a forma como o Brasil é percebido no exterior e prejudicar interesses nacionais, especialmente no Oriente Médio.

Por José Antonio LIma, do Poder 360

Exportações de carne Porto de Paranaguá

A mudança na localização da embaixada em Israel não deve ser entendida como tentativa de emular Donald Trump, que recentemente deslocou a representação diplomática dos Estados Unidos. É mais preciso dizer que tanto Trump quanto Bolsonaro estão expostos ao mesmo tipo de influência.

Nas bases eleitorais de ambos se destacam movimentos evangélicos neopentecostais, para os quais Israel têm importância teológica fundamental. A reunião dos judeus na “terra prometida” seria parte do cumprimento de diversas profecias bíblicas que preveem o retorno de Jesus após a vinda do Anticristo e a reconstrução do Templo de Salomão. O reconhecimento de Jerusalém como capital indivisível de Israel seria, assim, o estopim desta profecia.

Não à toa, o bispo Edir Macedo, que é dono da Igreja Universal do Reino de Deus e do grupo Record e apoiou Bolsonaro nas eleições, ergueu em São Paulo um “Templo de Salomão” para ser o principal local de reunião de seu rebanho. O edifício é adornado com elementos judaicos e o próprio Macedo costuma fazer pregações com itens tradicionalmente ligados ao rabinato.

Também apoiaram Trump e Bolsonaro as frações mais conservadoras das comunidades judaicas. Trata-se de um grupo político que esposa a mesma visão de mundo do atual governo israelense, comandado por Benjamin Netanyahu. O projeto de Netanyahu é perpetuar o atual status quo no conflito Israel-Palestina de tal forma a fazer a comunidade internacional aceitar os fatos consumados promovidos por Israel ao longo das últimas 4 décadas: a ocupação de Jerusalém e de porções da Cisjordânia, por meio de assentamentos erguidos a partir da vitória na guerra de 1967.

Para a maior parte do mundo, essas ações são ilegais e o status final de Jerusalém deve ser definido em negociações. Assim, as embaixadas em Israel são mantidas em Tel Aviv para não referendar a tentativa israelense de consumar sua apropriação sobre a cidade.

Essa é a posição histórica do Brasil, que em diversos fóruns internacionais condena as ocupações israelenses. Hoje, apenas os EUA e a Guatemala têm suas embaixadas em Jerusalém, o que significa, na prática, desprezar o direito palestino de ter sua capital na porção oriental da cidade.

Se o Brasil adotar essa postura, o recado para o mundo será o de que a diplomacia brasileira está suscetível a uma intensa guinada de fundo ideológico. É natural que um governo eleito busque imprimir suas marcas nas políticas públicas, mas na política externa espera-se que isso ocorra de forma paulatina, sem alienar aliados. O governo Lula, por exemplo, fez aposta na chamada relação sul-sul, nos BRICS e no multilateralismo sem, no entanto, perder interlocução com os EUA e a Europa.

Cabe destacar que o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, pregou em sua 1ª entrevista um distanciamento de uma das pedras angulares da política externa brasileira. Ao afirmar que o Mercosul não seria prioridade, causou desespero em argentinos, uruguaios e paraguaios, aliados fundamentais cujas economias são muito dependentes da brasileira.

No caso do reconhecimento unilateral de Jerusalém como capital de Israel, além de contrariar o padrão de votação do Brasil na ONU e acabar com qualquer possibilidade de o Itamaraty auxiliar a mediação do conflito, Bolsonaro minaria as relações não apenas com os palestinos, mas com diversos países muçulmanos, em especial no Oriente Médio. E o Brasil é muito mais vulnerável a retaliações do que os norte-americanos.

Do mercado de proteína animal surgem alguns dados que indicam o que o governo Bolsonaro poderia estar colocando em jogo. O Brasil é o maior exportador de frango do mundo e, a números de 2016, tem no Oriente Médio 35% deste mercado. Entre os importadores de carne bovina brasileira, Egito, Irã e Arábia Saudita estavam entre os 10 mais importantes também em 2016. Em abril de 2017, após a Operação Carne Fraca, o setor enviou missões para Cairo e Teerã para reafirmar a segurança do produto brasileiro a esses mercados.

É esse tipo de investimento que o governo Bolsonaro ameaçaria caso decidisse transferir a embaixada. Ao fazer a escolha, Bolsonaro precisará colocar sobre a mesa sua ideologia e a de seus apoiadores e relevantes interesses econômicos nacionais. A decisão revelará a natureza da política externa que o Brasil terá nos próximos 4 anos.

*José Antonio Lima é jornalista, mestre e doutorando no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo e integrante do Grupo de Trabalho Oriente Médio e Mundo Muçulmano (FFLCH-USP).

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