MPF: Justiça deve acatar normas internacionais sobre direitos humanos

Procuradores recorreram de duas decisões judiciais que rejeitaram denúncias contra agentes da repressão. E afirmam que a Lei de Anistia não pode impedir investigações sobre crimes de lesa-humanidade.

Herzog nunca foi uma "ameaça nacional", diz aliado da ditadura - Arquivo

Depois de mais uma condenação do Brasil por não investigar e punir um crime cometido no período da ditadura, o Ministério Público Federal (MPF) insiste para que a Justiça Federal "dê sequência aos processos penais, em cumprimento às determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), à cuja jurisdição o país está submetido". A mais recente condenação ocorreu no caso Vladimir Herzog, jornalista assassinado em 1975 no DOI-Codi de São Paulo. Com base na decisão da Corte, o processo foi reaberto no MPF.

O Ministério Público lembra que a Corte Interamericana "proíbe a Justiça de barrar os processos com base na Lei da Anistia, inválida para afastar a responsabilidade penal dos oficiais". À luz do Direito internacional, crime de lesa-humanidade, como tortura e assassinato, não prescrevem. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido de revisão da lei aprovada em 1979, ainda no período da ditadura.

"A anistia brasileira é um típico exemplo de autoanistia, criada justamente para beneficiar aqueles que se encontravam no poder. Tal forma de anistia é claramente reprovada pelo Direito internacional, que não vê nela qualquer valor. Não bastasse, o Congresso Nacional não possuía autonomia e independência, e seria pueril crer que havia, àquela altura, uma oposição firme que pudesse se opor à aprovação da Lei de Anistia", diz o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.

"Os opositores estavam, em sua imensa maioria, mortos, presos ou exilados", acrescenta o procuradora. "Foi, assim, criada (a lei) apenas para privilegiar e beneficiar os que se encontravam no poder, buscando exatamente atingir o escopo ainda persistente: não haver a punição dos crimes praticados pelos agentes estatais, quando estes saíssem do poder. E até a presente data, infelizmente, estão plenamente atingindo seus objetivos."

O MPF afirma que mesmo a decisão do Supremo pode ser motivo para invocar a Lei de Anistia para rejeitar as denúncias. "Se de um lado o STF analisou a adequação do texto à Constituição Federal, de outro permanece a incompatibilidade de seu teor com tratados e normas internacionais aos quais o Brasil se sujeita, cuja vigência independe da decisão dos ministros."

Apesar disso, a posição predominante no Judiciário tem sido de não dar prosseguimento as ações. De 36 denúncias feitas pelo MPF contra agentes da ditadura, 34 foram rejeitadas. Só duas estão tramitando, relativas ao militante Espedito de Freitas (1970), no Rio de Janeiro, e do metalúrgico Feliciano Eugenio Neto (1975), em São Paulo.

Os procuradores recorreram de duas decisões judiciais que rejeitaram as denúncias, sobre os assassinatos de Alceri Maria Gomes da Silva e Antônio dos Três Reis de Oliveira (1970) e Dimas Antônio Casemiro (1971), recentemente identificado entre as ossadas encontradas em 1990 na vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, Perus, zona noroeste de São Paulo. "São apenas alguns dos diversos crimes cometidos no período que permanecem impunes, apesar de o Brasil já ter sofrido condenações internacionais por acobertá-los", diz o MPF.