Posição favorável de Bolsonaro ao governo de Israel irrita mundo árabe

Os anúncios do presidente Jair Bolsonaro em sua visita de três dias a Israel devem irritar mais de 1,5 bilhão de muçulmanos em todo o mundo, aumentando o risco de turistas brasileiros sofrerem hostilidades no exterior. Essa análise é feita pelo escritor arabista Lejeune Mirhan, sociólogo e membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e diretor do Instituto Jerusalém do Brasil, em entrevista ao Diário do Nordeste.

Bolsonaro no Muro das Lamentações ao lado de Netanyahu. - Foto: AFP

Para o especialista, ao se alinhar profundamente com o Governo de Israel, o Brasil corre o risco de perder divisas provenientes de exportações. O País tem atualmente um comércio de US$ 18 bilhões com o mundo árabe (22 países). O receio é prejudicar sobretudo os embarques da carne brasileira para clientes da região.

O Governo Bolsonaro tentou minimizar esse risco, desistindo, por enquanto, de transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo o exemplo dos EUA. O presidente da República anunciou que será aberto apenas um escritório comercial do País em Jerusalém.

Para Mirhan, esse recuo de Bolsonaro deve ter sido influenciado pelo núcleo militar do Governo após analisar os riscos de tomar um decisão que contraria o consenso internacional. Jerusalém é um lugar sagrado tanto para muçulmanos como para judeus e cristãos. Simbolicamente, ter uma embaixada em Jerusalém é visto como uma defesa pró-Israel no histórico conflito territorial com os palestinos.

Reação

A reação ao anúncio de Bolsonaro foi imediata. A Autoridade Palestina chamou seu embaixador no Brasil para consultas, sinal clássico de contrariedade diplomática. "Esta decisão constitui uma violação dos fundamentos do direito internacional em Jerusalém Oriental", declarou Ammar Hijazi, vice-ministro das Relações Exteriores da Palestina.

Esse gesto de irritação já foi visto antes. Os palestinos congelaram os laços com a Casa Branca depois que Donald Trump anunciou a mudança de sua embaixada para Jerusalém em dezembro de 2017.

"Outra consequência dessa decisão de Bolsonaro será a redução do turismo de árabes para o Brasil, pois você irritou 1,5 bilhão de muçulmanos", prevê Mirhan. Na opinião do especialista, a retaliação árabe deve se limitar ao campo econômico e diplomático, sem maiores riscos de ocorrências extremas e graves.

"É uma bobagem imaginar que o Brasil, a partir de agora, entra na rota do terrorismo", pondera o arabista.

Muro

O premiê de Israel estendeu o tapete vermelho para Bolsonaro. Nesta segunda-feira, ele esteve com Benjamin Netanyahu no Muro das Lamentações, em Jerusalém, tornando-se, assim, o primeiro chefe de Estado a realizar tal visita ao lado de um primeiro-ministro israelense.

Israel, que ocupou o setor oriental (árabe) de Jerusalém na Guerra do Seis Dias, em 1967, considera Jerusalém sua capital "única e indivisível", mas a anexação do setor árabe, onde fica a Cidade Velha, não é reconhecida pela ONU, e os palestinos reivindicam Jerusalém oriental como capital de seu futuro Estado.

Resoluções das Nações Unidas destacam que o status da cidade sagrada para as três religiões monoteístas deve ser decidido em negociações com os palestinos.

A visita de Bolsonaro ao Muro das Lamentações em Jerusalém, junto com Netanyahu, é considerada controversa porque pode ser interpretado como um reconhecimento tácito da soberania de Israel sobre o local, um dos lugares sagrados do judaísmo localizado no setor da cidade de maioria palestina. Há poucos dias, o secretário de Estado americano Mike Pompeo tornou-se a primeira autoridade do alto escalão a visitar este local, localizado em Jerusalém Oriental, anexado por Israel.

O conjunto em torno do Muro das Lamentações é conhecido como Esplanada das Mesquitas ou Monte do Templo, o local mais sagrado do judaísmo, e onde também está a mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado do Islã após Meca e Medina.

Eleição

A viagem de Bolsonaro acontece às vésperas das eleições legislativas em Israel, marcadas para o próximo dia 9, o que torna cada gesto do primeiro-ministro – como o apoio explícito do Brasil – como um ato de campanha eleitoral.

Netanyahu, alvo de investigações por corrupção, corre, no entanto, o risco de perder o poder e até de ser preso. As pesquisas mostram que o Likud (direita conservadora), partido do premiê, vai eleger menos deputados do que a formação de centro-direita (Azul- Branco), liderada pelo ex-chefe do Estado Maior, general Benny Gantz. "Os acordos fechados entre Bolsonaro e Netanyahu são inócuos, pois haverá mudança de poder em Israel neste mês", citou Mirhan.

Os governos do Brasil e de Israel firmaram, no domingo, cinco acordos de cooperação nas áreas de defesa, serviços aéreos, prevenção e combate ao crime organizado, ciência e tecnologia e um memorando de entendimento em segurança cibernética.Para o especialista em mundo árabe, o principal efeito da viagem de Bolsonaro a Israel é agradar o eleitorado evangélico e a comunidade judaica, em detrimento dos muçulmanos. "Em política, você manda sinais", observa Mirhan, em referência aos outros dois países visitados pelo brasileiro (EUA e Chile). "Como Trump, Bolsonaro não acredita no multilateralismo, mas em chefes de Estado que são xerifes", conclui o arabista.

Direito de reclamar

O presidente Jair Bolsonaro analisou as reações de palestinos sobre a abertura de um escritório de negócios do Brasil em Jerusalém. "É direito deles reclamar". A Embaixada do Brasil em Israel está localizada em Tel Aviv e há planos do Governo Bolsonaro de transferi-la para Jerusalém. Segundo Bolsonaro, essa transição deve ser feita com calma e mantendo contato com outros países.

Crítica palestina

O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, afirmou que a política de aproximação entre o Governo Jair Bolsonaro e Israel não pode acontecer "às custas do Estado da Palestina". "Não questionamos em nenhum momento as relações entre Brasil e Israel, mas que não seja às custas do Estado da Palestina, do seu povo e da sua luta", disse Alzeben.