Walter Sorrentino: As 56 flores que se abrem no Jardim da China

Em fevereiro, a convite do Departamento Internacional do Partido Comunista da China, representando o PCdoB, tivemos – eu e Marcelino Granja – uma experiência marcante na visita a Urumqi, capital da Província de Xinjiang, noroeste da China (a 6 horas de voo a partir de Shanghai!).

Por Walter Sorrentino*

. - .

Quase na fronteira da Mongólia e ao norte do imenso deserto de Gobi, a minoria étnica Uigur habita aquela região majoritariamente, ela tem a Oeste as fronteiras com Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão. Trata-se de uma região de grande papel histórico, ao sul da Mongólia.

A paisagem de inverno tomava conta do horizonte, a menos 12 graus celsius, mas em tempos de primavera-verão a província é verdejante. É marcante a cultura dos uigures, com festas, folclores e tradições próprias, uma língua de origem árabe e muito calor humano. A maioria da população é muçulmana e tem respeitada a fé nas mesquitas de arquitetura deslumbrante na praça principal da cidade onde está também um autêntico e rebuscado mercado árabe. Nessa praça a população tem por hábito dançar à noite, ao som dos instrumentos singularíssimos de corda e de uma coreografia de sensualidade feminina e cortejo masculino. Maxrap se chama esse entretenimento popular.

A viagem foi marcada por inúmeras atividades demonstrativas da vida econômica, social, política e psicossocial do povo e suas instituições de governo. O que é mais marcante?

É o empoderamento da região e da minoria étnica, promovido pelo governo da República Popular da China e do Partido Comunista da China. Do ponto de vista político, o governo REGIONAL é encabeçado por um dos homens forte da China e Autonomia Regional Étnica é Lei de Estado. Economicamente, a cidade e a região são uma espécie de hub por onde passam os investimentos e bens da iniciativa do Um Cinturão, Uma Rota – trilionários investimentos em infraestrutura da China na Eurásia, África e América Latina. Especificamente, no caso, as trocas com os países da Eurásia, da Rússia à Turquia, do Cazaquistão ao Paquistão, envolvendo dezenas de países. O aeroporto, as rodovias e principalmente as ferrovias têm papel marcante para isso.

Também no plano identitário, cultural e psicossocial as iniciativas empoderam a minoria uigur. O ensino é bilíngue. A religião não tem qualquer restrição. A identidade cultural própria, de auto-reconhecimento, a tolerância e a coexistência cultural se unem em prol da prosperidade comum. Atua também a política de planejamento familiar flexível, visando a respeitar o desejo da minoria e a decisão autônoma de seu governo.

Esse empoderamento persegue a unidade do povo chinês, integrado por 56 ETNIAS NACIONAIS (minorias étnicas) – uma das quais, predominante, a Han com pouco menos de 94% do total da população, donde as 55 demais etnias têm algo em torno de 100 milhões de integrantes, em 5 regiões autônomas que ocupam 45,5% do território. No entanto, receberão 40% do investimento público nesses próximos 5 anos, voltados a desenvolver essas regiões e fortalecer a integridade da nação.

Em síntese, a igualdade de direitos entre as etnias é a pedra angular da política étnica da China, independentemente do número da população. Isso guarda relação também para defender a integridade e integração territorial do país, face ao novo e elevado papel desempenhado pela China na geopolítica mundial destas últimas décadas, após os estrondosos sucessos dos 40 anos de Reforma e Abertura, que se completam este ano, alvo de uma mega-exposição no Museu Nacional em Beijing, que transformou a China no maior PIB do mundo em poder de paridade de compra.

Anos atrás, o Estado Islâmico promoveu ações terroristas em Xinjiang. A vigilância das autoridades chinesas, amparadas em sua política étnica, garroteou logo a tentativa, com apoio da população.

As etnias e suas culturas, inclusive religiosas, na China gozam, pois, de grande atenção do governo chinês no seio da madura estratégia traçada para cumprir o primeiro centenário da República Popular da China, em 2049, na condição de um país potência econômica, tecnológica, militar e de prosperidade para seu povo e todas suas etnias – partindo da condição de um país de renda média hoje.

A China, pois, não era nem é um Estado monoétnico, mas também nunca tem e não tem um Estado plurinacional. Lá a revolução burguesa (com a instauração da República em 1911, sob liderança de Sun Yat-sen), não se amparou no conceito ocidental de Estado-nação e nacionalismo – apesar do caráter “nacional e patriótico” da Revolução popular com o PC da China na liderança. A tradição dominante, que se fez política oficial também após a Revolução Popular, foi a de culturalismo em lugar de nacionalidade, no sentido do minzu, ou seja as etnias, para as quais se desenhou a integração cultural, solidariedade e indivisibilidade do povo chinês com suas 56 etnias. É um modelo chamado de Diversidade e Unidade da nação chinesa. Não predominou a noção de federalismo no novo Estado da República Popular da China, como na União Soviética formada por numerosas nacionalidades onde Lênin propôs a autodeterminação face às divisões das etnias em diversos países (não obstante, o federalismo estava no programa do Partido Comunista da China antes da Revolução de 1949).

Portanto, pode-se deduzir e é real, há altos subsídios econômicos do governo chinês para o florescimento das etnias que compõem a grande nação chinesa, muito maiores que a própria arrecadação tributária das regiões autônomas. É uma Política de Estado. Na base desses êxitos está o Partido Comunista da China, que encabeçou o reflorescimento da nação chinesa, a unidade de seu povo e lidera o país por meio de instituições governamentais amparadas na lei, mas, como se diz, “está em toda parte” com seus 83 milhões de membros, para servir ao povo em primeiro lugar. Servir ao povo lá é servir à China e seu projeto estratégico.

O tema tem uma importância grande para as forças que têm o Socialismo como perspectiva estratégica. Demonstra que é sempre necessário levar em conta as características próprias de cada formação econômica social, a história de lutas do povo, as identidades culturais e características psicossociais de cada sociedade para projetar esse futuro. A China teve essa sabedoria. Isso conta com a experiência de 6 mil anos de história, com êxitos e revezes (dada as invasões coloniais sofridas pela China antes da Revolução e desde a Guerra do Ópio no século XIX). Mais importante ainda, ao largo de 3600 anos de história escrita ininterrupta e da proverbial e milenar paciência que marca aquele povo. A Unidade Nacional foi confeccionada ao longo desses milhares de anos como inspiração eterna comum de todo o povo chinês, sempre foi a corrente principal do desenvolvimento histórico da China. A China parte para o seu 1º Centenário em 2049, quando se implanta a República Popular da China e, até lá, cumrpirá seu propósito de edificar uma potência moderna, próspera, democrática, civilizada e harmoniosa.

Não há, pois, como decalcar modelos abstratos, mas assentá-los na concretude do real da história própria em cada país, numa teoria sólida e numa estratégia madura. E demonstra ainda mais que o espaço privilegiado do fazer estratégico tem na questão nacional – da autodeterminação e desenvolvimento soberano – um ponto incontornável para que o socialismo possa representar essa perspectiva de modo exequível e contemporânea.