Um freio à marcha da insensatez

A tragédia ocorrida na escola pública de Suzano precisa servir para que o país faça uma profunda reflexão sobre a crise de valores civilizatórios que ora vivenciamos. O caso não pode ser naturalizado e nem deve ser explorado de maneira sensacionalista, sob pena de a barbárie se impor no cotidiano dos brasileiros.

*Por Orlando Silva

Orlando Silva critica decreto que facilita armamento da população - Foto: Agência Câmara

Parte da população busca respostas fáceis e falsas para dirimir o compreensível sentimento de insegurança: liberação do porte de armas de fogo, apoio à redução de maioridade penal e a políticas estéreis de encarceramento em massa e endurecimento da lei penal. São políticas demagógicas, que não resolvem e não deram certo em outros países.

Contribui para esse mal-estar o sensacionalismo apocalíptico que toma conta de inúmeros programas que se dizem jornalísticos. A "datenização" da vida só traz o medo para dentro de casa, glorifica a violência policial, demoniza suspeitos à margem do processo legal, justifica a vingança pessoal como estratégia de sobrevivência.

As redes sociais, por sua vez, sob o manejo ardiloso de grupos especializados em disseminar o ódio e a mentira, têm servido como verdadeiras máquinas de propulsão de mensagens que dividem a sociedade e estimulam a intolerância ao diferente. Há uma espécie de interdição do debate público sobre temas polêmicos. No lugar da troca de opiniões e a divergência madura, cultua-se a falsificação como argumento, a aniquilação de reputações como método, a transformação do outro em inimigo a ser batido como objetivo.

Tal ânimo também é irresponsavelmente insuflado pelo cretinismo de certos políticos, preocupados em jogar para a plateia e mobilizar as parcelas mais radicalizadas do eleitorado. No caso específico da tragédia suzanense, o surreal aconteceu: um senador da República defendeu, em sessão daquela casa legislativa, a esdrúxula tese de que se os professores estivessem armados, o episódio teria sido impedido.

Percebam a loucura: 10 pessoas morreram e outras tantas ficaram feridas em um ataque a uma escola, realizado por duas pessoas perturbadas e, ao que tudo indica, motivadas pelo ódio. A reação esperada de qualquer ser humano é que se condoa, se solidarize às vítimas e seus familiares. Não foi o caso, o senador preferiu ocupar a tribuna para defender, como antídoto ao massacre, que armas fossem distribuídas a granel. Esse senhor quer transformar o país num faroeste de 210 milhões de habitantes. É algo tão irracional que enoja.

O jornalista Jamil Chade apresentou números da entidade Small Arms Survey que colocam o Brasil como o 6º país do mundo em armas de fogo nas mãos de civis, estimando em 17, 5 milhões delas, sendo 8 milhões legalizadas. Como é possível, em sã consciência, que alguém defenda que um país já tão armado e que mata tanto como o nosso conseguirá diminuir a violência facilitando ainda mais a compra e o porte de armas? É simplesmente ininteligível.

Com esse caldo de cultura, agravado pela crise econômica, o desemprego, a perda de direitos e a piora das condições de vida, aonde iremos parar? O Brasil é uma panela de pressão prestes a explodir – se é que já não explodiu.

É hora de os agentes públicos, as vozes respeitadas da sociedade civil, as lideranças dos mais variados segmentos refletirem a sério sobre os rumos que o país tem tomado. Urge que busquemos reatar no povo os laços históricos e culturais que nos dão um sentimento de Nação, de destino comum. Que cultuemos a paz em contraponto ao ódio crescente.

Ou nos unimos para colocar um freio à marcha da insensatez ou a História nos cobrará caro.