A saúde mental de Bolsonaro

 Por Wadson Ribeiro*

“Nova” política de saúde mental é retorno ao período de tortura - Fábio Pozzebom/Arquivo Agência Brasil

Cada medida do governo Bolsonaro representa um retrocesso. Desta vez, foi a publicação de uma nota técnica do Ministério da Saúde, divulgada na última quarta-feira (6), que reorientou as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental. A centralidade da concepção volta a ser a hospitalização em manicômio, o que vai contra tudo que foi acumulado desde a década de 70, em pesquisas, debates, leis e ações na área. A proposta do governo foi duramente rechaçada nos meios acadêmicos, entre profissionais da área e, principalmente, por aqueles que fazem parte da luta antimanicomial.

A proposta prevê a inclusão dos hospitais psiquiátricos nas Redes de Atenção Psicossocial, o financiamento para aquisição de ETC (eletroconvulsoterapia) mais conhecidos como eletrochoques, a internação de crianças e adolescentes e a abstinência no tratamento de dependentes químicos. Estas e outras propostas vão na contramão da Lei 10.216/2001, do ex-deputado federal mineiro Paulo Delgado, que ficou conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica.

Antes desta lei, o tratamento psiquiátrico no Brasil era reservado a verdadeiros depósitos de gente, mal cuidadas e jogadas à própria sorte, em ambientes insalubres sem nenhuma humanização. Completamente longe do convívio social, como tão bem retratou a jornalista Daniela Arbex em seu livro intitulado Holocausto Brasileiro. Nele, a autora mostra a situação desumana dos manicômios, estudando o caso do Hospital Colônia de Barbacena. A palavra “holocausto” não é exagero, pois, ao ler o livro, descobrimos que sessenta mil pessoas morreram naquele hospital.

A Reforma Psiquiátrica no Brasil ganhou força nos anos 80, na preparação da Constituição e na construção do Sistema Único de Saúde. Neste período, duas leis instituíram a rede de atenção à saúde mental e o movimento pela reforma do sistema propôs um tratamento fora dos hospitais, com maior convívio social e o progressivo fechamento de leitos. O CAPS (Centro de Assistência Psicossocial), passa a ser a principal referência no tratamento, evitando assim internações e tornando o paciente o protagonista na busca pelo seu próprio bem estar.

Franco Basaglia, psiquiatra italiano, notabilizou-se por uma concepção mais humanista no tratamento de seus pacientes, que foi denominada de Psiquiatria Democrática ou “negação à Psiquiatria”. Essa concepção, e seus bons resultados obtidos na Itália, influenciaram uma geração de psiquiatras, psicólogos e demais profissionais da saúde mental aqui no Brasil. Foram eles que ousaram e lideraram uma mudança profunda na abordagem do problema.

O dia 18 de maio, que representa o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, deverá ganhar importância neste ano e deve ser de denúncia contra mais este absurdo do governo Bolsonaro. As medidas de agora se inserem num contexto de iniciativas com igual caráter regressivo, como a liberdade para a posse de armas, a malfadada reforma da Previdência e o pacote de segurança pública com viés altamente autoritário. O Brasil vai caminhado para um abismo obscuro de decisões que penalizam principalmente os mais pobres e os setores mais vulneráveis da sociedade. Caminhamos a passos largos para o fim da democracia e do desmonte das instituições civilizatórias.