A Palestina não jogará o jogo de Trump

A Casa Branca partilha da ideologia colonial ilegal do governo israelense e apoia suas tentativas de normalizar as relações com o mundo árabe enquanto mantém o controle sobre o nosso país. Por isso é que a Palestina não participará do Plano anti-Paz de Trump.

Por Nabil Shaath*

palestina

As políticas do governo Trump têm prejudicado a paz e a segurança em nossa região. Aliando-se totalmente ao governo de Israel, têm tentado normalizar a ocupação israelense e a negação sistemática do direito palestino à autodeterminação.

A Conferência de Varsóvia[1] é parte deste contexto. Enquanto o alvo óbvio da conferência é o Irã, a equipe Trump busca usar esta conferência como um evento para impulsionar sua visão para Israel e a Palestina, uma que, com base nos passos tomados, obviamente não se dedica a alcançar a paz.

O requisito básico para qualquer processo de paz triunfar é abordar os interesses das partes envolvidas. Certamente, como visto na Bósnia, Irlanda, África do Sul ou Irlanda [do Norte], tais interesses não podem contradizer as obrigações que cada parte tem sob o direito internacional. Em outras palavras, o Processo de Paz não pode ser transformado em uma tentativa de obter anistia por crimes de guerra ou fazer uma das partes desistir dos seus direitos fundamentais plasmados na Carta das Nações Unidas.

O interesse do lado palestino é ter liberdade e concretizar seus direitos inalienáveis há muito postergados. Que os palestinos tenham direitos iguais, como qualquer outro povo, e vivam em paz e dignidade. O lado israelense costumava alegar que seu principal interesse era a segurança. Ao menos foi assim que o Acordo de Camp David de 1978 foi desenhado pelo Presidente Carter: Israel consegue segurança e o Egito o seu território devolvido.

Hoje, os interesses israelenses são caracterizados menos por preocupações securitárias e mais por sua intenção de anexar a maior percentagem possível do território palestino ocupado. O interesse israelense, como mostrado pelo governo israelense, é o apartheid, não a paz.

A comunidade internacional tem um papel importante a desempenhar. Certa vez, um chanceler europeu disse-me que, embora concordasse com o reconhecimento da Palestina e com a necessidade de proibir os produtos de colônias israelenses em seus mercados, tomar tais medidas poderia ser “prejudicial” para o “Processo de Paz”.

Eu perguntei se a sua atitude passiva diante das violações israelenses do direito internacional e das resoluções da ONU tornariam Israel mais disposto a acabar com a ocupação, acabar com a sua empreitada colonial ou mesmo aceitar um processo de paz significativo. Ele não pôde responder. Na verdade, ele sabia a resposta: Falta de envolvimento internacional só tem encorajado Israel a continuar aprofundando sua empreitada colonial sem temer qualquer resposta internacional.

Em fevereiro passado apresentamos nossa visão para a paz diante do Conselho de Segurança da ONU. Apelamos por uma modalidade de múltiplas partes para as negociações, uma modalidade baseada na Carta da ONU, no direito internacional e em acordos firmados entre Israel e Palestina, com o objetivo de alcançar a paz baseada na solução de dois estados e na fronteira de 1967.

Ainda que o governo israelense continue sendo apoiado e encorajado pelo governo Trump em suas políticas ilegais e destrutivas, que continuam negando nossos direitos, o restante da comunidade internacional tem ferramentas suficientes para mostrar ao governo israelense que há consequências para a violação do direito internacional, inclusive perpetrando crimes de guerra.

Sejamos claros: Uma coisa é a necessidade de negociar questões relativas ao estatuto final de acordo com o direito internacional, para definir as futuras relações entre Israel e Palestina; outra coisa é a responsabilidade internacional de deter as violações israelenses: Enquanto Israel não pagar o preço pela ocupação, não irá encerrá-la. A ocupação, o colonialismo e o apartheid não vão acabar por “boa vontade” de Israel. Apenas com a tomada de medidas concretas jurídicas e políticas contra as violações israelenses é que Israel entenderá que é do seu interesse acabar com a ocupação ao invés de aprofundá-la e expandi-la.

Os números são conhecidos: Israel quase triplicou o número de colonos [vivendo na Cisjordânia] desde a assinatura do Acordo de Oslo em 1993. Hoje, o governo Trump garante ao governo israelense não apenas impunidade, mas uma contraparte que partilha da sua perspectiva ideológica em apoio às colônias israelenses. Agora o governo israelense sente-se capaz de tomar medidas que não teria tomado antes, inclusive a racista Lei do Estado Nação Judaico que estabelece um regime de apartheid de jure.

Em Varsóvia, querem tornar a Iniciativa de Paz Árabe irrelevante, com Israel tomando o que quiser, normalizando as relações com o mundo árabe, enquanto ainda manterão o controle sobre o nosso país. Isso está fadado ao fracasso.

A Palestina não participará da Conferência de Varsóvia e não mandatou ninguém para representá-la. O histórico do governo Trump, desde suas medidas sobre Jerusalém, os refugiados, as colônias e a punição coletiva dos pacientes palestinos nos hospitais de Jerusalém Oriental e dos estudantes palestinos, é claro o bastante para a compreensão das suas intenções.

Ao não participar, a Palestina não está “fechando as portas ao diálogo”. Está defendendo que o único meio de alcançar uma paz justa e duradoura é através da implementação do direito internacional. A solução de dois estados segue sendo a única solução viável para estabelecer a paz com justiça no Oriente Médio.

Nota:

[1] A Conferência de Varsóvia foi convocada pelos EUA e é vista como uma tentativa de isolar o Irã no Oriente Médio por parte dos EUA, Israel e Arábia Saudida. Acontece em 13 e 14 de fevereiro e tem como tema declarado a construção da paz e a segurança no Oriente Médio. A chefe da diplomacia europeia Federica Mogherini, a Rússia, o Líbano e a Palestina estão entre os que não participam. (NT)

*Nabil Shaath é diplomata palestino de extensa trajetória, membro do comitê central do Fatah e do Conselho Legislativo Palestino da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), participou em diversas negociações, inclusive na elaboração da Declaração de Princípios de 1993 entre os chamados Acordos de Oslo.

Fonte: Departamento dos Assuntos das Negociações, Organização para a Libertação da Palestina, Estado da Palestina, via i21
Tradução: Moara Crivelente