Nós, os militantes, e o povo

Nesta quarta-feira (19), a militância da esquerda foi da euforia à decepção em questão de segundos, embora alguns já alertassem sobre os riscos de se confiar muito no Poder Judiciário, ainda mais nesta quadra da nossa história. Muitos já saíram dizendo (mais uma vez!) que não adianta mais acreditar nas instituições da democracia burguesa, que agora só as ruas e/ou uma revolução salvam.

Por Mario Fonseca *

Mario Fonseca povo - Foto: Arquivo Mário Fonseca

Primeiramente, a democracia (limitada e alquebrada, é certo) que conquistamos é mais fruto da luta dos trabalhadores e dos setores médios da sociedade do que um presente da burguesia para acalmar os ânimos da massa. Um cenário de liberdades democráticas, individuais e coletivas, é o melhor para que os explorados e oprimidos desenvolvam a sua luta. Em segundo lugar, ação direta e revolução de que jeito, com que propósito e, sobretudo, com quem? Pergunto aos iluminados: cadê o povo nesse raciocínio?

O pedido do PCdoB ao STF, deferido pelo ministro Marco Aurélio Mello e depois revisto pelo presidente da corte, ministro Dias Toffoli, serviu para reeguer a luta em defesa do Estado democrático de direito, contra o Estado de exceção. Por Lula, mas por todos nós, que precisamos nos resguardar dos abusos que rasgam o pacto político de 1988, que nos deu uma Constituição democrática e cidadã. Teve o mérito de lembrar que há presos políticos no Brasil, principalmente o maior líder popular deste país.

Entendo as aflições que grassam entre nós. E também delas participo. Mas não há luta que deva ser renunciada, seja nas ruas, seja no âmbito das instituições, mesmo nos espaços mais hegemonizados pelos reacionários. Claro que é fundamental contribuir para organizar, conscientizar e mobilizar o povo, mas este precisa percorrer a sua própria experiência, haja vista quem não é mero sujeito passivo na história, sempre à espera de uma vanguarda que lhe mostre o caminho.

A ligação com o povo é importantíssima, mas não depende só de nós. Depende, sobretudo, do próprio povo, que experimentará as agruras do que virá e, claro, com a nossa ajuda, formará sua visão a respeito dos acontecimentos, que terá muito do que pensamos, mas nunca será exatamente a nossa.

O que precisamos fazer é estarmos juntos do povo, induzindo ou estimulando seus movimentos, contribuindo para que eleve seu nível de consciência e organização, sem preconceitos, sem arrogância intelectual, sem o "eu avisei" e sem usar a absurda expressão "pobre de direita". Acima de qualquer coisa, com paciência, com disposição de entender a nossa gente e também de aprender com ela, que ao longo da história, com, revoltas, revoluções e lutas de formas as mais variadas, mostrou que é a grande construtora da nação.

Forjamos aqui neste grande pedaço do planeta uma civilização complexa, que não comporta análises e conclusões simplistas. Disse Tom Jobim, nosso Maestro Soberano, que "o Brasil não é para principiantes" (serve para nós, mas também para a malta de Bolsonaro). Na atualidade, diante de um governo ultraliberal, entreguista, autoritário e reacionário que em breve tomará posse, a formulação que mais pode fomentar a resistência é a da frente ampla (amplíssima, não só de esquerda), nos âmbitos político, social e intelectual, em todas as batalhas que virão, seja nas pequenas, pontuais e mais localizadas, seja nas grandes, gerais e mais nacionalizadas.

A esquerda brasileira, de um modo geral, se guia por boas intenções, sentimentos nobres e bastante disposição de combate, mas subestima demais a política, carecendo de compreensão sobre elementos decisivos como estratégia, tática e análise da correlação de forças. Quanto ao ânimo, entre o otimismo e o pessimismo, fico com a magistral síntese do mestre Ariano Suassuna: sigo realista e, ao mesmo tempo, esperançoso.