Moro escorrega em sua própria casca de banana: 'Eu não sou um político que minto'

O ainda juiz federal Sérgio Moro concedeu entrevista como ministro da Justiça e Segurança Pública ao Fantástico que foi ao ar neste domingo (11). Apontado como um juiz parcial que atuou políticamente em todo o processo da Lava Jato, Moro foi a sua própria casca de banana na entrevista.

Moro no Fantástico - Reprodução

Ao ser questionado sobre a possibilidade de sair candidato à Presidência da República em 2022, Moro repetiu o discurso que fez quando foi indagado há alguns anos sobre a possibilidade de participar oficialmente da política e disse que não. No entanto, a resposta veio acompanhada de um ato falho.

“Não, eu estou te falando que não vou ser. Eu não sou um político que… minto. Desculpe. Com todo respeito aos políticos. Mas assim, bons e maus políticos. Mas existem maus políticos que, às vezes, faltam com a verdade. Eu não tô faltando com a verdade.”

Em outubro de 2017, em entrevista à GloboNews, Moro afirmou “não ter vocação para política”. “Não existe nenhum empecilho normativo. Mas a minha opção de vocação é outra. Eu sou um juiz e pretendo permanecer como juiz”, disse. Ao O Globo, em dezembro do ano passado, ao ser questionado sobre a participação de juízes que decidiram ingressar na política, Moro disse que sua escolha pessoal “é permanecer como magistrado”.

Agora, na entrevista ao Fantástico, a apresentadora Poliana Abritta indagou: “Mas o senhor então é um político do tipo que não mente?”

Moro percebe a escorregada e diz que não é um político. “Não, eu sou uma pessoa que, na minha perspectiva, eu tô indo assumir um cargo predominantemente técnico”, disse.

A jornalista reafirma: "Não, é porque o senhor que falou "eu não sou um político que minto". E Moro diz: "Não sou um nenhum político e não minto".

Moro disse que mudou de ideia e decidiu ingressar oficialmente na política porque ficou “encantado” com o convite de Jair Bolsonaro. Fez o discurso do autodenominado “salvador” ao dizer que aceitou o convite para “implementar uma agenda anticorrupção e anticrime organizado”.

Ao tratar sobre a possibilidade de membros do primeiro escalão do governo Bolsonaro estarem envolvidos com esquemas de corrupção, Moro disse que foi uma das condições estabelecidas por ele de ser o avaliador de casos como esses para possível afastamento do eventual ministro. Mas em seguida se contradiz:

“Ou algum outro conselheiro. O que me foi assegurado, e é uma condição, não é bem uma condição, não fui estabelecer condições. Mas eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico”, disse.

Juiz-ministro

Sobre o fato de conceder entrevista e já estar atuando na formulação do ministério sem ter se exonerado do cargo de juiz, apenas tirado férias, o que viola a Lei da Magistratura, Moro disse que não vê problemas e usou um argumento subjetivo para dizer que não está em desacordo com a lei. Segundo ele, o fato de não ter tomado posse significa que não é ministro.

Para o jurista e professor Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Afranio Silva Jardim, embora não tenha sido exonerado do cargo, Moro encontra-se em atividade política e partidária, trabalhando na formatação do novo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

“O mais cínico é que, para tentar contornar esta inconstitucionalidade, o juiz Sérgio Moro negociou não ser nomeado oficialmente pelo senhor Temer como membro da equipe de transição do capitão eleito. Efetuará as atividades de transição de forma "clandestina". Eles não diziam que "a lei é para todos" e que "ninguém está acima da lei"? Talvez eles pensem que a Constituição não é lei”, afirmou o jurista.

Segundo Afranio, Moro faz negociações políticas, articulando-se com várias lideranças do atual governo e com vários partidos políticos. “Dá entrevista à imprensa, tratando de temas políticos e de governo. Ademais, já recebe ordens do capitão eleito. Isto é um papel adequado para um magistrado do Poder Judiciário?”, indagou o jurista.

E acrescenta: “Todos sabem que a Constituição da República proíbe expressamente que qualquer juiz desempenhe alguma atividade política ou partidária. Evidentemente que as suas férias não o eximem de cumprir a Constituição, pois ele continua no cargo de juiz federal e continua recebendo os respectivos vencimentos”.

Críticas de Ayres Britto

Moro voltou a tentar explicar o que ficou escancarado com a sua decisão de embarcar no governo Bolsonaro. Ele foi confrontando com a crítica feita pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, que disse que o fato de o juiz paranaense ter aceitado o convite para integrar o novo governo “comprometeria a separação e independência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário”.

Apesar do ex-ministro não ter citado o caso Lula nem tampouco a cassação da candidatura do ex-presidente, Moro escorregou novamente e foi logo associando a crítica às eleições e a Lula.

“Tenho grande respeito pelo ex-ministro Ayres Britto. Eu acho que a avaliação dele, nesse caso, está equivocada. Existe essa fantasia de que o ex-presidente [Lula], que foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, teria sido excluído arbitrariamente das eleições por conta do processo criminal. Mas o fato que ele tá condenado e preso porque cometeu um crime”, tentou explicar o magistrado.

Processo espetáculo

Moro foi indagado a falar também sobre a campanha da antipolítica insuflada pela espetacularização dos processos da Lava Jato. Ao longo de quatro anos, Moro atuou nos processos com um braço midiático em tempo real e, na maioria das vezes, antes mesmo da oficialização das medidas judiciais, com vazamento de delações, de conversas telefônicas grampeadas e da mídia atuando junto às operações policiais.

Moro admitiu que, em parte, nas eleições deste ano, “havia um sentimento muito forte contra um sistema político”, mas disse acreditar que Bolsonaro foi quem melhor foi identificado pela população como alguém que modificaria o status quo.

“Qualquer outro candidato que fosse identificado com essa causa anticorrupção teria boas chances. Sem prejuízo das outras bandeiras do candidato”, disse.

Bolsonaro e o discurso de ódio

Esse não foi o único momento em que Moro buscou desconstruir a imagem política de Bolsonaro. Com 30 anos de atuação política, o discurso de Bolsonaro o identifica como um político homofóbico, machista, defensor da tortura e da ditadura militar.

Mas Moro minimiza ao ser questionado sobre quais garantias poderia dar para a comunidade LGBT, negros e mulheres de que os direitos não serão retirados no próximo governo, ele ignorou o 30 anos de discurso de ódio de Bolsonaro e afirmou que nunca viu, na campanha eleitoral, uma proposta de Bolsonaro com cunho discriminatório em relação às minorias.

“Eu não imagino de qualquer forma que essas minorias estejam ameaçadas. O fato de a pessoa ser hétero, homo, branco, negro, asiático, isso é absolutamente indiferente. Nada vai mudar”, declarou.

Ao falar sobre os crimes de ódio, Moro disse que terá uma postura rigorosa. “Eu não poderia ingressar em qualquer governo se houvesse alguma sombra de suspeita que haveria uma política desse espécie”, afirmou.

A declaração de Moro contraria o que disse, em entrevista ao Estadão, o deputado e filho de Bolsonaro Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ao defender a perseguição ideológica, contrariando a Constituição e as bases de uma democracia. Disse que o governo vai defender no Congresso Nacional a aprovação de um projeto de criminalização do comunismo e dos movimentos sociais, como o MST.

Não escondeu que está de olho na vaga do Supremo. “É uma perspectiva, uma possibilidade que se coloca no futuro, quando surgir uma vaga. Meu nome pode ser cogitado, como o nome de várias pessoas”, declarou.