É a comunicação, estúpido!

"O povo quer ser ouvido, entender o que é dito e sentir-se representado por quem fala igual".

Por Ana Cristina Cavalcante*

Uma parcela da população há tempos escondida nos armários surge poderosa e ascende ao comando máximo do Brasil. “Como isso foi acontecer?” É a pergunta que ecoa na bolha de uma assombrada inteligentzia nacional. Atônitos, questionam-se sobre o que teria causado mudança tão radical na condução política da nação. Ainda não assimilaram que, apesar dos muitos fatores sociológicos e antropológicos por trás de si, o fenômeno que acaba de se abater sobre a sociedade brasileira tem uma explicação majoritária: é a Comunicação, estúpido!

A fomentar esse tsunami político está a perda completa da capacidade do establishment de comunicar-se com o cidadão comum. Ou de simplesmente enxergá-lo! Mulheres e homens submersos no Brasil profundo… Nativos das periferias das grandes cidades, das igrejas, nos estádios ou no metrô… Naquela classe média espremida entre a escola pública e o precário atendimento de saúde, por um lado, e a posse de um smartphone adquirido em 12 parcelas pequenas o suficiente para caberem nos seus três salários mínimos, por outro. Ou ainda, claro, os ricos – uma minoria, é bom que se diga – que apenas não deixaram o cavalo selado passar a galope. Que senso de oportunidade!

O pedantismo de setores da esquerda e o cinismo do centro e de uma direita elitista aliaram-se na ignorância mais absoluta sobre as pessoas que decidiram essa eleição histórica. Abraçados, abriram uma avenida por onde desfilou a extrema-direita, essa sim capaz de falar com a sociedade exaustivamente bombardeada pelo noticiário – um misto de narcisista e alienado das causas sensíveis ao complexo tecido social brasileiro.

Não fazia mais diferença o que diziam as manchetes. Mais sentido tinham as mensagens de whatsapp. Um novo meio de comunicação. E, principalmente, um discurso! Muito mais McLuhan; um tanto menos Adorno. Extensão daquilo que o receptor é; e overdose de cultura inferior frankfurtiana.

O recado dado é claro: às favas as boas intenções de uma esquerda que esqueceu da mais básica das noções de linguagem: “interlocutar”… Um verbo mais usado no espanhol, mas que cabe como uma luva! O povo quer ser ouvido, entender o que é dito e sentir-se representado por quem fala igual. “Fala que eu te escuto” em vez de “práxis da dialética”. Perdeu o debate com a recusa de furar a bolha.

E esta foi a espetacular ironia revelada por Mano Brown, dias antes de irmos todos às urnas. Descobrimos, perplexos, que o senso comum prevaleceu. Não eram os 20 centavos! Era o “contra tudo o que está aí”. Teve Copa e golpe. Os fascistas passaram, gritando “viva Ustra!”, e vão governar o Brasil. Não importa perdermos direitos, liberdades ou qualidade de vida. Aprendemos como foram eficientes as platitudes repetidas ad infinitum. Ganharam as eleições e a guerra da comunicação. De lavada, “com Deus acima de todos e Brasil acima de tudo. É isso daí. Tá ok?”

*Ana Cristina Cavalcante é jornalista.

Fonte: Facebook da autora

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