Cinema para refletir sobre a situação política no Brasil

Para pensar melhor sobre o espírito e a lógica que regeram todo esse vendaval político que vivemos desde 2013, selecionei alguns filmes e uma série que tratam do pensamento, da formação e da atuação da extrema direita.

Por Carolina Maria Ruy*

Onda filme - Foto: Reprodução

Nestas eleições gerais de 2018 o Brasil foi varrido por uma onda de extrema direita, apoiada em uma ideologia que é liberal na economia e ultraconservadora nos costumes. Candidatos que pregam estado mínimo, a exaltação da ideia de família tradicional, e que possuem um discurso com forte apelo religioso, projetaram-se, cresceram e, muitas vezes, foram eleitos. O caso mais emblemático é o do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Mas também há exemplos nos governos estaduais, como o governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e a advogada, eleita deputada estadual, Janaína Paschoal.

Esta onda começou a ganhar força e a crescer rapidamente desde as fatídicas manifestações de junho de 2013. Desde então a política oficial passou a ser fortemente questionada, o que é salutar em uma democracia. Os questionamentos, entretanto, foram manipulados pela mídia, por organizações internacionais infiltradas entre os manifestantes, por empresários ligados à Fiesp, e por políticos que queriam retomar o poder.

Para pensar melhor sobre o espírito e a lógica que regeram todo esse vendaval político que vivemos desde 2013, selecionei alguns filmes e uma série que tratam de assuntos como: a visão individualista e capitalista da família (Seven Seconds), como arregimentar grupos em torno de um líder (A onda), o avanço do nazismo na Alemanha (Arquitetura da destruição), o ódio à esquerda e às minorias (22 de julho), militarização, autoritarismo e o medo como arma política (V de Vingança) e sobre as manifestações de junho de 2013 no Brasil (Junho).

Em ordem da data em que foram lançados:

Arquitetura da destruição (título original: Undergångens arkitektur)
Suécia, 1989, Peter Cohen

O filme explica o aspecto cultural do nazismo, a loucura de Hitler e o que o levou a praticar o genocídio em massa. Através de um calculado projeto de propaganda, coordenado pelo seu ministro Joseph Goebbels, ele associava judeus a pragas, justificando subliminarmente, o uso do gás como forma de conter o avanço de seres indesejáveis (na visão torta dele). Hitler cultuava um padrão estético rígido, baseado na antiguidade greco-romana. Através da Grande exposição de arte alemã, inaugurada em 1937, ele buscava afirmar este padrão em contraposição ao que chamava de “arte degenerada”. A arte degenerada, naquele caso, era a arte de vanguarda, cubista, modernista, que expressava a realidade e os conflitos sociais, não apenas a supremacia e o ideal de beleza. Segundo ele a arte “degenerada” era fruto de mentes degeneradas. Há muito desta ideologia no Brasil de hoje. A ideia de que a organização vai curar a sociedade e eliminar os conflitos de classe, o repudio à arte popular, à arte contestadora, à vanguarda e a rigidez de um padrão estético clássico.

V de Vingança (título original: V for Vendetta)
Reino Unido, EUA, Alemanha, 2005, James McTeigue

O personagem de V de Vingança, Guy Fawkes, tornou-se um símbolo de resistência popular no mundo todo. Hoje, V de Vingança é um símbolo pop que se relaciona com assuntos como apologia ao terrorismo, homofobia, mobilização contra governos totalitários, anarquismo e fascismo. Na graphic novel V é um anarquista que pretende se vingar de atrocidades que sofreu por parte do governo e articula ataques terroristas. No filme V influencia uma multidão, que sai às ruas usando a máscara de Guy Fawkes no dia 5 de novembro, após o discurso de mobilização de V na televisão. Duas frases são o mote do filme: “O povo não deve temer seu governo. O governo é quem deve temer seu povo!” e “Atrás dessa máscara há uma ideia. E ideias são à prova de bala”. O personagem inspirou o movimento Anonymous, que são grupos de hackers internacionais, considerados ativistas da Internet. Estes grupos foram responsáveis pela maior parte da mobilização no Facebook nos dias-chave dos protestos de rua nos dias 13, 17, 18 e 20 de junho de 2013 no Brasil, conforme mostrou um estudo feito pela empresa InterAgentes, do cientista social Sérgio Amadeu, doutor em ciência política pela USP e ex-presidente do ITI (Instituto Nacional de Tecnologia de Informação), autarquia vinculada à Casa Civil da Presidência.

A onda (título original: Die Welle)
Alemanha, 2008, Dennis Gansel

Inspirado no livro homônimo de 1981 (Todd Strasser) e no experimento social da Terceira Onda, realizado pelo professor de história norte-americano Ron Jones.

O professor Rainer ministra aulas de autocracia para o colegial. Seus alunos não acreditam que uma ditadura poderia surgir na Alemanha moderna, então ele começa um experimento para mostrar como é fácil manipular as massas. Vários padrões são criados para dar aos alunos a sensação de participarem de um grupo coeso. O experimento toma dimensões muito além da sala de aula e foge do controle do professor, gerando, inclusive, violência contra quem eles consideram “inimigos”.

Junho – O Mês que Abalou o Brasil
Brasil, 2014, João Wainer

O filme é o melhor registro das manifestações que varreram o Brasil em junho de 2013. Desde a legítima luta contra o aumento das passagens de ônibus, organizada pelo Movimento Passe Livre, até a ascensão de um perfil alinhado politicamente à direita que, dentro de uma difusão de protestos, marcava posição contra o governo da então presidente Dilma. A história começa quando a prefeitura e o governo do estado de São Paulo reajustaram os preços das passagens dos ônibus municipais, do metrô e dos trens urbanos de R$ 3,00 para R$ 3,20. Nos dias 6, 7 e 11 de junho de 2013 manifestações contra o reajuste foram reprimidas com violência pela polícia militar. Contra a violência da polícia milhares pessoas, indignadas com o que viram em suas redes sociais, foram para a rua protestar. E o que era uma manifestação pontual de um grupo pelo passe livre, virou um movimento fora do controle . No dia 17 de junho de 2013, uma segunda feira, cerca de 300 mil brasileiros encheram manifestações em 12 cidades espalhadas pelo Brasil. Entre 17 e 21 de junho o país assistiu pela TV as massas tomarem as ruas, dia após dia. A polícia, acuada, deixou rolar. E gritos das mais diversas ordens começaram a ecoar. Grupos adeptos da tática black bloc sobressaiam-se com sua agressividade performática e canais de TV abriram mão de suas programações para exibir aqueles jovens mascarados quebrando a pauladas bancos, ônibus, lojas. Qualquer organização política passou a ser hostilizada. Foi o embrião da Lava Jato e o ponto de virada para uma mentalidade de direita, que passou a condenar toda organização política progressista com peso e importância na sociedade.

Seven Seconds (série)
EUA, 2018, Veena Sud

O assassinato de jovens negros por policiais brancos é o principal tema da série. A história começa quando o policial está indo visitar a mulher grávida no hospital, mas se distrai no celular (por apenas sete segundos, daí o nome da série) e atropela um ciclista. A vítima é o adolescente negro Brenton Butler. Jablonski se desespera e liga para o amigo, o também policial Mike Diangelo (David Lyons), que resolve acobertar o crime. Acho que a série diz muito sobre o discurso hipócrita sobre a família. Neste discurso a família que conta é apenas sua própria família, não a família do outro. O reacionário, que geralmente exalta a família, não se sensibiliza com a história da família negra que perde o filho por um descuido do policial. Eles são considerados estranhos, “o outro”, não há compaixão, nem solidariedade.


22 de julho
Noruega, 2018, Paul Greengrass

O filme é baseada nos atentados ocorridos dia 22 de julho de 2011, em Oslo, Noruega. O atirador, Anders Behring Breivik, um supremacista branco, que se opõe à vinda de imigrantes à Noruega e também à ideologias de esquerda, realiza uma explosão na zona de edifícios governamentais da capital, Oslo, e um tiroteio, poucas horas depois, na ilha de Utøya (no lago Tyrifjorden, Buskerud), onde acontecia um acampamento da juventude do partido trabalhista. Os atentados resultaram na morte de pelo menos 76 jovens (68 em Utoya e 8 em Oslo). Preso, Breivik se autoproclamou guerreiro em batalha contra o multiculturalismo e a “invasão do Islã”.

No dia do atentado o terrorista publicou na internet um manifesto de sua ideologia de extrema-direita, compilada em uma coleção de textos intitulados “2083 – Uma declaração européia de independência”. Breivik expressou ideias radicais de conservadorismo, ultranacionalismo, islamofobia, homofobia, racismo e antifeminismo. Ele também mostrou que considera o marxismo cultural e o Islã como as duas maiores ameaças à Cristandade moderna. Em seu julgamento ele não mostra nenhum arrependimento ou compaixão. Ao contrário, sorriu ao ouvir o veredicto da justiça, fez a saudação Nazista, pedindo desculpas aos extremistas por não ter conseguido matar mais pessoas no ataque pelo qual foi condenado a 21 anos de prisão.