Bolsonaro encara a política de toga e farda

O presidente eleito Jair Bolsonaro parece colocar um contrapeso à influência militar em seu governo, que se iniciará no dia 1º de janeiro, ao indicar o juiz Sérgio Moro como ministro da Justiça. Este é o mote do artigo publicado na sexta-feira (1º), por Maria Cristina Fernandes, sob o título “Bolsonaro encara a política de toga e farda”, no jornal “Valor Econômico”.

Bolsonaro - EFE

A jornalista faz uma análise circunstanciada da correlação de forças e das contradições que desde o primeiro dia após sua eleição se manifestam em torno do presidente eleito, demonstrando sua complexidade das forças que, na iminência da posse, parecem se digladiar.

“O presidente eleito não vai esperar que se cumpra seu vaticínio de campanha, o de ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apodrecer na cadeia, para tentar tomar seu lugar no imaginário nacional. A começar da autoridade que paira acima de todos os embates de seu entorno. Quanto maiores as divergências, mais se torna imprescindível sua presença administrando ora a favor de um, ora a favor do outro com recurso à religião da qual o lulismo se serviu com mais parcimônia”, escreveu a jornalista.

São grandes as disputas em torno do novo governo. Há, de um lado, os evangélico, que foram força importante do bolsonarismo. Há os militares, que tem grande influência e terão papel importante no novo governo.

“Não é a única intersecção que Bolsonaro tem administrado, para consumo público, com serenidade”, diz Maria Cristina Fernandes.

Ela ainda avaliou a então possível nomeação de Sérgio Moro para o ministério da Justiça – quando o artigo ficou pronto, no dia anterior, Moro ainda não havia anunciado a decisão de aceitar a indicação. Segundo ela, a aceitação por Sérgio Moro é a criação de “outra trincheira em seus pelotões. Sob um governo Bolsonaro, a pasta da Justiça recuperaria a Polícia Federal, hoje sob o chapéu do Ministério da Segurança Pública, e teria um papel mais ativo no combate à corrupção”. Num quadro em que os militares atuam “com todos os poderes sobre o sistema de informações de toda a administração federal desde o decreto que, a 15 dias do segundo turno, criou uma super Abin. Mantida com esta estrutura, a agência, hoje sob o comando do general Sérgio Etchegoyen, encontraria na Justiça um poder concorrente.”

Assim, diz ela, a “nomeação de Moro não deixaria Bolsonaro inteiramente nas mãos do entorno militar para a vigilância dos aliados do Congresso com quem venha partilhar cargos da máquina pública. Daria ainda ao presidente eleito a chance de usar a luta anticorrupção para eventuais debacles na popularidade decorrentes de uma economia que pode dar trabalho para reagir.”

A presença de Moro no ministério “autorizaria Bolsonaro a dizer que não apenas manteve a Lava-Jato como a levou para dentro do governo. E ainda reforça a estratégia governista na relação com o Supremo, Corte que o juiz conhece palmo a palmo”, anotou a jornalista.

“Levar a farda e a toga para dentro do governo fortalece o presidente eleito mas não basta para dirimir os conflitos”, que parecem proliferar em torno de Jair Bolsonaro. “O futuro ministro da Casa Civil [Onyx Lorenzoni] já demonstrou que antagonizará com o superministro da Economia. Não apenas no ritmo das reformas como na mediação de interesses do setor produtivo”. Antes do segundo turno, ele já havia levado a Bolsonaro um grupo de industriais signatários de uma carta em que pedem apoio a "políticas de desenvolvimento". “Enfrenta a resistência de Paulo Guedes que quer defenestrar a pauta protecionista e acabar com o Ministério da Indústria e Comércio”. É uma contradição que vai além do “entorno bolsonarista”, diz a jornalista.
São as contradições que já se manifestam em torno do governo que tomará posse em 1º de janeiro, e que Maria Cristina Fernandes registra com argúcia neste artigo em que trata das influências da toga e da farda no próximo período presidencial.