Guedes começa a preencher cheque em branco bolsonarista

A política de terra arrasada na economia anunciada pelo governo Bolsonaro tem todos os ingredientes para agravar a crise rapidamente. Logo a conta será cobrada do povo. E ela é alta.

Por Osvaldo Bertolino*

Paulo Guedes - Reuters

Com as primeiras medidas anunciadas pela equipe econômica do presidente eleito, Jair Bolsonaro, já é possível ter uma ideia do esquadro do novo governo. A decisão comunicada pelo futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, de vender reservas cambiais para o abatimento da dívida pública é o primeiro dos controvertidos anúncios do novo governo nessa área. Por trás da medida está o tão falado “ajuste fiscal”, com meta de zerar o déficit primário (gastos e investimentos públicos, basicamente) já no primeiro ano de governo, previsto, de acordo com o Orçamento de 2019, em R$ 139 bilhões.

Nessa contabilidade, a prioridade é a “reforma”, da Previdência Social, que, para Guedes, deve ser feita de forma radical, substituindo o modelo atual pelo sistema de capitalização, semelhante ao que existe no Chile. Seria uma espécie de poupança que daria uma aposentadoria proporcional ao que se poupou. Em segundo lugar vem a privatização, que deverá render ao “ajuste fiscal”, segundo Guedes, R$ 2 trilhões, resultado da venda de empresas e imóveis do governo federal. Com esse montante, o economista-chefe de Bolsonaro pretende reduzir em 20% a dívida pública, calculada em cerca de R$ 5,2 trilhões.

Guedes tem afirmado que essa é uma de suas prioridades. De acordo com ele, o tamanho e a velocidade do crescimento da dívida precisam ser enfrentados com dureza. Na sua avaliação, os credores veem esse cenário como sinal de que o país terá problemas para honrar seus compromissos. Ele tem dito que “o Brasil gasta um Plano Marshal” por ano com juros, se referindo ao programa de reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial.

Receita do FMI

São essas as três fontes anunciadas para abater a dívida, consideradas emergenciais por Guedes: venda de reservas, “reforma” da Previdência Social e privatizações selvagens. As consequências são as piores possíveis. No caso da Previdência Social e das privatizações, os efeitos sobre as aposentadorias e a entrega do patrimônio nacional são facilmente perceptíveis. No caso das reservas, o resultado será a volta da chamada vulnerabilidade externa, o enfraquecimento de uma importante barreira para proteger o país dos ataques especulativos. Sem a contenção de um razoável montante de moeda forte — o dólar —, o chamado capital rentista quebra o país quando bem entender.

Guedes garante que com a “situação fiscal” em dia (sem déficit primário), não haverá ataque especulativo. Ele conta para a isso com a Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos (exceto pagamento de juros) por 20 anos, e com uma política de austeridade que implica o desmonte do Estado, acabando com as políticas sociais e com a capacidade de investimento, inviabilizando a retomada do crescimento e do desenvolvimento. A experiência mostrou que esse modelo de “estabilidade monetária” não se sustenta e, na “era” Fernando Henrique Cardoso (FHC), levou o país a se pendurar na receita do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Cheque em branco

Não é possível imaginar que o Brasil não se contaminará com um previsível agravamento da crise econômica global. Uma análise do Global Financial Stability Report (GFSR), do FMI, citado pelo colunista do Monitor Mercantil Marcos de Oliveira, indica que os riscos de médio prazo para a estabilidade financeira mundial e o crescimento permanecem elevados. “Um aperto súbito e agudo das condições financeiras poderia trazer à tona uma série de vulnerabilidades acumuladas ao longo dos anos. Nas economias avançadas, as principais vulnerabilidades financeiras são os níveis elevados e crescentes de alavancagem no setor não financeiro, a deterioração contínua das normas de subscrição e avaliações exageradas de ativos em alguns mercados importantes”, avalia o estudo.

O total da dívida do setor não financeiro em mercados financeiros importantes cresceu de US$ 113 trilhões (mais de 200% do seu PIB combinado) em 2008 para US$ 167 trilhões (quase 250% do seu PIB combinado). “Os bancos aumentaram suas reservas de capital e liquidez desde a crise, mas ainda estão expostos por terem em suas carteiras empresas, famílias e devedores soberanos altamente endividados; por deterem ativos opacos e ilíquidos ou por recorrerem a financiamento em moeda estrangeira”, diz o FMI.

O endividamento externo continuou aumentando na maioria das economias de mercados emergentes. “Isso gera problemas para os países que estão enfrentando riscos de financiamento externo e choques comerciais, mas que não detêm reservas adequadas nem dispõem de bases de investidores internos sólidas para amortecer o impacto de choques externos. Em vista desse ambiente externo desafiador, as autoridades nas economias de mercados emergentes devem se preparar para novas pressões para a saída de capitais”, afirma.

Marcos de Oliveira avalia que Paulo Guedes começa a preencher o cheque em branco que recebeu dos eleitores de Bolsonaro. “E a conta é alta. Reduzir as reservas em moeda forte é chamar a crise para o colo. Não demora, o presidente receberá um zap do colega argentino: “Yo soy tú mañana”, ironiza.

Amargo remédio

O site da revista Veja também ouviu economistas sobre a proposta de Guedes de “orçamento base zero”, conforme definição do futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. A ideia é a seguinte: todos os gastos públicos seriam pensados do zero, todos os anos, sem considerar os gastos do período anterior. Everardo Maciel, chefe da Receita Federal durante o governo de FHC, disse que o orçamento federal é extremamente amarrado devido a vinculações constitucionais, partilhas de receitas e orçamentos autônomos de outros poderes, como o Legislativo e o Judiciário.

Outras amarras, como a estabilidade do funcionalismo público, também impedem essa prática. “O impacto do orçamento base zero recairia sobre menos de 9% das receitas públicas”, afirmou. “Além disso, para mudar as vinculações de receitas, seria preciso mudar a Constituição.” A matéria explica que os orçamentos para saúde e educação, por exemplo, nascem da obrigatoriedade de destinar 15% e 25% da receita corrente líquida, respectivamente, para essas áreas. Na prática, busca-se atingir um porcentual preestabelecido, enquanto que no “base zero”, busca-se gastar o mínimo possível.

Veja ouviu também Amir Khair, secretário de Finanças da prefeitura de São Paulo entre 1989 e 1992, na gestão da prefeita Luiza Erundina, então do PT, que negou qualquer possibilidade de êxito da proposta. “Não conheço um ano sequer que isso tenha ocorrido”, afirmou. Caso o governo, disse ele, queira equilibrar à força o orçamento, pode causar a paralisação de serviços essenciais. “É preciso aumentar as receitas com o crescimento do PIB e melhorar a gestão por meio do controle rígido dos gastos, ganhos de eficiência e combate ao desperdício. Fala-se muito em reformas, e é isso o que um orçamento base zero significa, mas fala-se pouco sobre gestão”, enfatizou.

No plano golpista do presidente usurpador Michel Temer para “estabilização da economia”, chamado de “Ponte para o Futuro”, já havia a previsão de implementação do "orçamento base zero". Contudo, em seus anos no Planalto, nem Temer nem sua equipe econômica cogitaram a possibilidade de implementar o plano. Não se pode duvidar da possibilidade de Bolsonaro propor uma “reforma” da Constituição para impor mais esse amargo remédio do seu programa de governo.