Eleições legislativas nos EUA podem dificultar mandato de Trump

As eleições para a Câmara e o Senado dos Estados Unidos acontecerão no dia 6 de novembro. Se houver uma maioria democrata, a agenda de Trump estará comprometida pelo resto do mandato. Em entrevista, a jornalista e pesquisadora Aline Piva explica o que estará em jogo em novembro

Por Alessandra Monterastelli 

Donald Trump em comício

A agenda de Donald Trump está intensa: o presidente teme uma derrota republicana, que congelaria suas ações pelo resto do mandato. Já os democratas esperam uma vitória, especialmente devido ao recente crescimento da ala mais progressista dentro do partido e a baixa aprovação de Trump por parte da população norte-americana (cerca de 40%).

Uma vitória democrata não apenas dificultaria a aprovação das decisões do executivo, mas também significaria um risco para Trump, uma vez que aumentaria a pressão sobre o presidente referente as suas declarações de imposto de renda jamais reveladas e acusações de sonegação de impostos. Essas são investigações que podem minar a agenda republicana.

Não é à toa que o presidente estadunidense está com um cronograma agitado, frequentando diversos comícios e endurecendo seu discurso anti-imigratório para atiçar as massas. Na terça-feira (30), Trump declarou que pretende eliminar, por meio de uma ordem executiva, o direito de os nascidos nos Estados Unidos de pais estrangeiros adquirirem a cidadania norte-americana. O republicano tenta impedir o aumento da bancada dos democratas.

Mas, como explica o jornal espanhol El País, a Constituição dos Estados Unidos reconhece há 150 anos o direito à cidadania para os nascidos em solo nacional de pais estrangeiros. A proposta de Trump colide com o enunciado da 14ª emenda, dificultando a possibilidade da medida ser posta em prática unilateralmente sem desencadear um intenso debate constitucional.

O Portal Vermelho entrevistou Aline Piva, jornalista do Nocaute e pesquisadora do Council on Hemispheric Affairs, organização criada para promover políticas construtivas dos EUA em relação à América Latina, sobre as eleiçãos de novembro nos EUA. Confira abaixo:

Se os republicanos perderem o controle de uma ou de ambas as câmaras do Legislativo, será difícil para Trump governar no resto de seu mandato. O índice de aprovação de Trump gira em torno dos 40%. A agenda de Trump está intensa, e seu discurso anti-imigrantes está no auge para convencer as pessoas a não votarem nos democratas. O que pode acontecer se os democratas vencerem as eleições em novembro? Se isso ocorrer, quais seriam os motivos dado que a economia dos EUA está indo bem por hora?

Há dois fatores aqui: por um lado, temos uma tendência histórica que aponta que o partido do presidente em exercício tradicionalmente perde a maioria no Congresso, o que beneficia os Democratas. Segundo as pesquisas de opinião, o cenário que se desenha é de uma vitória Democrata na Câmara de Representantes – uma vantagem de dificilmente se repetirá no Senado, uma vez que somente nove dos 35 assentos em disputa pertencem a republicanos. O que aponta para o segundo fator decisivo. Trump tem hoje uma rejeição em torno de 53%, mas os Democratas precisarão reeleger 10 de seus atuais senadores em Estados que votaram por Trump nas últimas eleições presidenciais. E o resultado dependerá muito da participação do eleitorado.

Historicamente, essas eleições, que são conhecidas como "mid-term elections" ("meio termo" ou metade do mandato presidencial), são caracterizadas por uma baixa participação, o que, tradicionalmente, favorece os Republicanos. E tudo indica que os Democratas ainda não retomaram seu poder de mobilização a ponto de poder mudar esse cenário.

Se os Democratas conseguirem reverter essa tendência histórica e conseguirem a maioria em ambas as casas do Congresso, isso pode colocar importantes empecilhos a Trump em termos de política interna. Em política externa, não acredito que haverá muitas mudanças, uma vez que Republicanos e Democratas tendem a se alinhar em temas dessa natureza.

A ala progressista e até socialista do Partido Democrata está ganhando especial atenção nessas eleições. Uma onda de novos candidatos está surgindo, com uma participação feminina sem precedentes e nítida agenda progressista. Essa onda seria uma reação ao ultraconservadorismo de Trump?

Em certa medida, sim. Mas também é um voto anti-sistêmico, uma tendência que vemos se consolidar com cada vez mais força. Há um sentimento cristalizado de necessidade de mudança, de descontentamento, que os partidos e políticos tradicionais não conseguem angariar. Há também uma ressignificação do progressismo, e mesmo do socialismo, desde a campanha de Bernie Sanders – veja, por exemplo, a vitória de Alexandria Ocasio-Cortez nas primárias em Nova York.

Estamos falando de uma congressista que afirma, abertamente, ser socialista, o que é fantástico para um país cuja política vem sendo construída há décadas com base na "red scare", na "ameaça comunista". Mostra uma mudança importante no sentimento geral da população, e aponta para a tendência de que governos ultraconservadores alimentam uma reação na população que leva a tanto a questionar o sistema quanto a buscar novas formas de representatividade e organização.

Os democratas não conseguirem mobilizar suas bases contra Trump. A reação dos seus militantes depois da guinada conservadora na Suprema Corte e da onda de políticas regressivas contra mulheres e direitos LGBTs foi baixa. Como o Partido Democrata poderia se concentrar em mobilizar mais suas bases para atingir um apoio mais efetivo e seguro?

Os Democratas não são um partido de base. Os Estados Unidos adotam, na prática, um sistema bipartidário (ou seja, ainda que existam outros partidos, nenhum deles têm força suficiente para chegar ao efetivamente ao poder). E esse bipartidarismo leva a uma fragmentação tanto das dissidências, quanto das tendências mais progressistas dentro do próprio partido Democrata, que acabam sendo ignoradas para a manutenção do projeto de poder do partido (muitas vezes, bastante alinhado com o projeto dos Republicanos). Veja a disputa com Bernie Sanders, por exemplo. Sanders é um político que poderia ter angariado essas forças dispersas, levando a uma profunda transformação do partido. E sua candidatura foi boicotada pelas linhas mais conservadoras dos Democratas. Acredito que, enquanto o partido não fizer uma profunda reestruturação, abrir espaços para novos aliados, não haverá como construir realmente uma base coesa para enfrentar nem o que resta desse mandato de Trump, muito menos um provável segundo mandato do Republicano.