Carta de Nova York: Bolsonaro é o Trump brasileiro? (parte 2)

 Se é difícil explicar a política brasileira para o público norte-americano, que sabe pouco sobre o país e sua cultura, acho ainda mais difícil explicar Trump ao público brasileiro, apesar das várias notícias sobre os Estados Unidos, recebidas todos os dias.

Por James N. Green*

Bolsonaro no Acre - Reprodução

 Para comparar Bolsonaro a Trump, primeiro precisamos definir a personalidade e a política de quem ocupa a Casa Branca, depois compará-lo à pessoa que pretende viver no Palácio da Alvorada.

Na semana passada, eu entrevistei um grupo de amigos e pedi a eles frases curtas que melhor descrevessem Donald J. Trump. Essas parecem ser as mais precisas:

1. mentiroso compulsivo

2. narcísico

3. incapaz de empatia

4. ignorante

5. nenhuma bússola moral

6. vigarista

7. racista

8. misógino

9. falso patriota

10. oportunista

Em outras palavras, Donald J. Trump não tem princípios fundamentais. Ele é instrumentalista. Faz e diz coisas que beneficiarão a si mesmo e sua família.

Por exemplo, ele não tem crenças religiosas e não lê a Bíblia. Ele certamente não pratica nenhuma das crenças dos cristãos fundamentalistas, mas é capaz de atraí-los e levá-los a pensar que ele compartilha seus valores.

O mesmo se aplica às recentes controvérsias sobre os atletas que protestaram contra o tratamento racista dos afro-americanos, recusando-se a saudar a bandeira americana ou ajoelhar-se quando o hino nacional está sendo cantado antes de começar os jogos.

Ele não é um patriota. Quando o World Trade Center foi destruído em 11 de setembro, a resposta de Trump foi comentar que agora um de seus prédios era o mais alto da cidade de Nova York. Não é preciso concordar com o nacionalismo que explodiu nos Estados Unidos após o ataque em 2001 para observar a sua indiferença à morte de milhares de pessoas ao fazer esse comentário.

Essencialmente, Trump é um oportunista. Ele nem acreditava que poderia ganhar a corrida presidencial quando anunciou sua candidatura em 2015. Ele estava jogando na política para promover a si mesmo e seus negócios.

No entanto, ele é um ótimo comunicador. Ele sabe como mobilizar setores da sociedade norte-americana, especialmente pessoas brancas da classe trabalhadora e da classe média que se sentem marginalizadas, ressentidas e frustradas. Ele oferece soluções simples para problemas complexos. Ele sente os medos dessas pessoas e sabe como aumentá-lo.

Sendo um multimilionário (e provavelmente não um bilionário como ele alega), ele tem uma forte consciência de classe. É por isso que suas maiores prioridades têm sido garantir a grande reforma tributária que beneficiou o 1% do qual ele faz parte, nomear juízes conservadores para os tribunais americanos, e acabar com as regulamentações governamentais que supostamente prejudicam investimentos e lucros capitalistas.

Embora muitos republicanos não o respeitem, eles não criticam suas ações publicamente porque Trump garante os interesses econômicos mais importantes dos principais apoiadores do Partido Republicano. Ao mesmo tempo, Trump se opõe ao aborto, apoia os políticos e juízes que querem limitar os direitos LGBT e defende os manifestantes nazistas.

Uma década atrás, ele apoiava o acesso das mulheres ao aborto, defendia os direitos LGBT e pelo menos publicamente nunca disse que alguns partidários do nazismo eram "pessoas boas". Ou seja, é um oportunista, que só pensa em ele mesmo.

Como então podemos descrever Bolsonaro? Para essa lista entrevistei vários amigos brasileiros.

ignorante

violento

mal informado

bruto

preconceituoso

incapaz de articulação política sofisticada

representa a extrema direita

racista

misógino

homofóbico

De muitas maneiras, eles parecem muito semelhantes: não são muito sofisticados intelectualmente, mas são capazes de articular os sentimentos de raiva, cinismo e ressentimento que muitas pessoas sentem.

Ambos são o produto de uma conjuntura particular: nos Estados Unidos, de certa rejeição a Hilary Clinton entre as pessoas que normalmente apoiam os democratas; e no Brasil, a desconfiança generalizada nos políticos, considerados corruptos.

Ambos polarizaram os países. Tanto as famílias norte-americanas quanto as brasileiras não podem mais ter conversas civilizadas durante as comemorações de feriado em família. As batalhas no Facebook se tornaram notórias. A linguagem civil se deteriorou seriamente no EUA. O homem cordial brasileiro desapareceu.

Finalmente, Trump e Bolsonaro só confiam realmente em suas famílias imediatas, onde depositam muito poder e influência nas suas decisões políticas.

Os dois são os mesmos, no entanto? Além da observação óbvia de que não há dois países, situações políticas ou indivíduos realmente parecidos, acho que não. Pensei muito sobre a questão esta semana e cheguei à conclusão de que Bolsonaro é Trump, mas pior, se é que isso é possível.

Trump realmente não tem princípios. Infelizmente Bolsonaro tem. Trump não é consistente politicamente. Bolsonaro é, pelo menos, em suas atitudes sobre negros, mulheres, pessoas LGBT, pessoas pobres, esquerdistas etc. Trump não respeita procedimentos democráticos. Bolsonaro quer eliminar completamente a democracia.

Mesmo com a investigação sobre a colaboração de Trump na interferência dos russos nas eleições de 2016, é possível que ele seja eleito para um segundo mandato. Mas a democracia dos EUA, por mais incompleta e inconsistente que seja, sobreviverá. Bolsonaro quer levar os militares ao poder e acabar com a frágil democracia brasileira.

As eleições para o Congresso dos EUA em novembro podem alterar o equilíbrio de poder entre o Congresso e a Casa Branca e limitar o poder de Trump. Se Bolsonaro vencer o segundo turno das eleições brasileiras, ele poderá destruir completamente a democracia no Brasil. Trump é um populista de direita. Bolsonaro é um fascista

Na minha próxima carta, compartilharei meus pensamentos sobre como a mídia dos EUA está cobrindo Bolsonaro e as eleições brasileiras.