O canto do meu mano Fernando Szegeri: Arte boêmia e popular

Fernando José Szegeri tem 48 anos, quatro filhos, um livro de crônicas publicado e 30 anos na labuta como cantor. Muitos dizem crooner porque Fernando é um clássico naquele sentido do que se eterniza à passagem dos anos. Mas não é velho, é vinho. E é cachaça, quando senta na roda de samba, seu lugar mais cativo (ao lado do botequim) nos últimos 30 anos. E ama os ritos que desaguam nas expressões culturais e musicais herdadas da massa brasileira.

Por Railídia Carvalho

Fernando

Faz 25 anos que conheço o Fê (era eu era meu mano, era meu mano mais eu) e a música e o canto nele sempre me comoveram. Começou a cantar no bar Pena Dourada no centro de São Paulo em 1987. Em 93, quando nos conhecemos em Belém do Pará, cantou pra mim a toada “Boca da Noite” (Paulo Vanzolini e Toquinho): “…Morena, se acaso um dia tempestade te apanhar/ Não foge da ventania, da chuva que rodopia, Sou eu mesmo a te abraçar…”.

Esculpido na boemia paulistana e na atmosfera do samba e do carnaval carioca (tem um pé na Áustria e outro no Engenho de Dentro carioca), Fernando interpreta com seu timbre encorpado mais para o grave o que a alma sentimental e batuqueira brasileira oferece: Toada, seresta, partido alto, samba de breque, valsa, pontos da tradição religiosa.

Ah, mas foram os sambas que escolheram o corpo e a mente do Fê para habitar. A música popular gestada na alma do povo pobre, negro, dos morros, da malandragem é coisa séria para o Fernando. Eu que o observo há anos na roda de samba (precisamente 19 anos) vejo o transe e o respeito que se apodera dele ao cantar na roda e ao observar aos que cantam e tocam, a cadência, a vida própria que ganha essa expressão. A roda é ritual é a própria vida do Fê.

Penso que o Fê nasceu velho. Vinho, cachaça, modo de vestir o linho, o branco, o chapéu panamá mas, sobretudo, pela serenidade e forma de se portar no ofício da roda. É um mestre de cerimônia. Sempre sabe quando calar, quando manifestar. Sabe o que dizer e cantar.

Certa ocasião em uma festa familiar em que os Inimigos do Batente foram contratados para tocar no Rio de Janeiro eu sugeri que cantassemos algo mais pra frente e mais conhecido porque parecia que não pegava a roda. Ele, só pra contrariar, cantou uma desconhecida e bem “pra trás”: Solução Urgente (Carlão Elegante e Nei Lopes).

O Fernando também é filósofo formado pela USP, é advogado formado pela PUC, trabalha no Ministério Público Federal há quase 30 anos. Sei que essa trajetória, também cercada pelas mulheres que o amam, assim como eu, deram a ele essa matéria-prima de que é feito o seu canto: sem afetação, discreto, elegante, acessível ao povo, balançado, revoltado quando é preciso ser e irado como não queiram ver.

Apesar dos tempos tecnológicos, ainda acho que a música ao vivo é a melhor musica que se pode experimentar. Recomendo que ouçam ao vivo Fernando Szegeri. É verdade também que não o encontrarão no Spotify e afins. O Fê também não é notícia nos jornalões. Nem na rádio.
Mas ele está há 20 nos pagodes da cidade, como diria seu Wilson Moreira, cantando o jeito de ser, de viver e de resistir do povo brasileiro.

Ouça Fernando Szegeri no programa Show Livre cantando Um dia de rei (Daniel Santos e Noca da Portela)