Camponeses denunciam dificuldade de obter anistia política

Em audiência pública ocorrida na tarde desta terça-feira (28), na Câmara dos Deputados, representantes de um grupo de 250 camponeses denunciaram a dificuldade de obter, junto ao Ministério da Justiça, a anistia política.

Audiência 39 anos da anistia - Cristiane Sampaio

O caso diz respeito à situação de agricultores que viviam na região amazônica durante a chamada “Batalha dos Perdidos”, conflito armado ocorrido na segunda metade da década de 1970, no período pós-Guerrilha do Araguaia.

A advogada Irene Gomes, que representa o grupo de camponeses que estiveram na Câmara, afirma que os trabalhadores vitimados pelo Estado nesse período lutam há anos pela anistia política.

“O sentimento que predomina é de decepção e de tristeza porque ainda estamos aqui pelos mesmos pleitos”, disse a advogada, fazendo referência aos 39 anos da anistia no país.

Geralmente concedida a ex-perseguidos políticos do regime militar, a anistia consiste num ato oficial por meio do qual o Estado reconhece os crimes cometidos e declara como impuníveis atitudes que tenham sido consideradas ilegais no passado por razões políticas. Depois desse reconhecimento, as vítimas podem, ou não, receber uma indenização financeira.

Lentidão

Militantes e especialistas que acompanham o tema apontam que os processos têm tramitado com lentidão. Os pedidos ficam a cargo da Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça. Segundo dados oficiais do órgão, atualmente existem mais de 13 mil pedidos pendentes.

O caso, que já vinha sendo denunciado ao Legislativo, voltou à pauta da Câmara nesta terça (28), especificamente na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).

De acordo com os camponeses, o governo tem alegado, entre outros motivos, que os processos dos trabalhadores violentados durante a Batalha dos Perdidos carecem de documentos probatórios.

Irene Gomes explica que o nome dos agricultores constava numa lista oficial que está sob o poder das Forças Armadas e nunca foi liberada.

Ela destaca que os camponeses que viveram esse período na região eram alheios aos conflitos políticos entre militares e opositores e foram torturados pelo Estado e usados como ponte para chegar a possíveis militantes comunistas.

“Como é que ele [o camponês] vai provar alguma coisa? Ele não sabe nem por que foi preso. Ele não era militante político e foi vitimado numa ação do Estado”, afirma.

Diante da dificuldade de acesso a documentos oficiais, a advogada defendeu, junto à Comissão de Direitos Humanos, que o Estado considere como prova os relatos orais de trabalhadores e testemunhas.

Ela argumenta que, diante de todas as questões relacionadas à ditadura, os camponeses não deveriam ser obrigados a apresentar provas materiais de que foram vitimados. Ela aponta que o Estado é que precisaria provar o contrário.

“Quando há a narrativa, testemunhos, escrituras públicas declaratórias, quando há um grupo grande de pessoas que dizem a mesma coisa, então, que o Estado prove o que ele não fez”, afirma.

Vítimas

O agricultor Valmir Manoel de Santana viveu na região do Araguaia, no Pará, no período da Batalha dos Perdidos e foi uma das vítimas da violência praticada por agentes do Estado.

Ele esteve na Câmara nesta terça e contou ao Brasil de Fato que, na época, teve o lote de terra confiscado por agentes do Incra, que estava dominado pelos militares.

“Eles colocaram a Polícia Militar pra acompanhar a tomada das nossas terras. A PM queimou nossas casas, os paióis de arroz, galinha, porco, fez a maior desgraça na região. Eu sofri, fui torturado, fui preso”, desabafa.

O camponês afirma que a demora no reconhecimento do caso pelo Estado tem deixado os agricultores cada dia mais entristecidos.

“O que nós gostaríamos de ouvir dessas autoridades é que eles reconheçam o erro que eles [agentes do Estado] cometeram. O que nós queremos é justiça”, afirma.

Ministério da Justiça

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Henrique Kuhn, participou da audiência. Na ocasião, ele informou que o colegiado analisou 65.800 processos desde a sua criação, em 2001, e tem atualmente 13.170 requerimentos pendentes. Desses, 8.488 ainda não começaram a ser analisados.

O presidente reconheceu que o número é alto e disse que a Comissão tem se empenhado para analisar os casos, dando prioridade aos mais antigos. Kuhn afirmou ainda que as sessões do colegiado têm ocorrido normalmente. Ele não respondeu às demais críticas.