Juristas: “MPF é responsável pelo estado policial instalado no país”

Renomados juristas brasileiros encaminharam manifesto em repúdio a indicação de prêmio da International Association of Prosecutors (IAP) concedida à Lava Jato. Assinada por juristas e professores de diversas universidades brasileiras, públicas e privadas, com atuação nas áreas de Teoria do Direito, Hermenêutica Constitucional, Direito Constitucional, Direito Econômico, Direito Penal e Processual Penal, o documento aponta os abusow cometidos pela operação. 

Deltan Dallagnol - EPA

"O Ministério Público Federal tem sido um dos principais responsáveis pelo estado policial e de intimidação instalado no Brasil desde 2016, além de violar diversas garantias pétreas constitucionais, bem como de organizar campanha pública, sob pretexto do combate à corrupção, e que compromete a democracia e o Estado Democrático de Direito", diz o trecho de abertura do documento, que enfatiza que tal conduta não é generalizada dentro do MPF.

De acordo com os juristas, os procuradores da Lava Jato "são responsáveis pelo clima político de derrubada de um governo legítimo, servindo, desta forma, aos piores interesses antidemocráticos, a seguir enumerados".

A indicação da Lava Jato à premiação foi capitaneada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O prêmio especial foi concedido pela IAP sob o argumento de a Lava Jato merece ser reconhecida pelas notáveis realizações no fortalecimento do Estado de Direito no país.

A premiação será realizada durante a 23ª Conferência Anual da IAP, em Joanesburgo, África do Sul, de 9 a 13 de setembro. A entidade reúne mais de 170 procuradorias-gerais e associações de classe ao redor do mundo e atua como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) em matérias afetas ao funcionamento dos Ministérios Públicos, bem como aos direitos e garantias de seus membros.

"A Operação Lava Jato, capitaneada pelo Juiz Sergio Moro e pelos Procuradores da República Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, assumiu um rumo que contribuiu decisivamente para o Golpe de Estado que começou em maio e teve seu ponto alto em agosto de 2016, com a destituição da Presidenta reeleita, Dilma Rousseff. Articulado com poderosos barões da mídia brasileira, Sérgio Moro, o Poder Judiciário e o Ministério Público Federal conseguiram derrotar a democracia brasileira; conseguiram instalar no Brasil o clima político de fascismo e intolerância política", aponta outro trecho.

Confira a íntegra do documento:

Brasília, 20 de agosto de 2018.
Sr. Dr. Gerhard Jarosch
Presidente da
International Association of Prosecutors – IAP
Haia
Reino dos Países Baixos

Somos professores de História, Ciência Política e Direito de distintas universidades brasileiras, públicas e privadas, com atuação nas áreas de Teoria do Direito, Hermenêutica Constitucional, Direito Constitucional, Direito Econômico, Direito Penal e Processual Penal. Temos muitos anos de atividade científica e acompanhamos com atenção os acontecimentos em nosso País, especialmente durante e depois do golpe sofrido por nossa jovem democracia, de abril a agosto de 2016. Com o mesmo interesse científico, e como cidadãos que viveram ainda o final da ditadura militar brasileira de 1964-85, seguimos de perto a assim chamada “Operação Lava Jato”, bem como o papel desempenhado pelo Ministério Público e Poder Judiciário brasileiros. Desta maneira, seguimos com proximidade a atuação do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro e dos membros do Ministério Público Federal nos processos penais relativos à mencionada “Operação Lava Jato”.

Surpreendeu-nos que sua prestigiada Instituição tenha outorgado o Prêmio Special Achievement Award 2018 à Força Tarefa da Operação Lava Jato. O Ministério Público Federal tem sido um dos principais responsáveis pelo estado policial e de intimidação instalado no Brasil desde 2016, além de violar diversas garantias pétreas constitucionais, bem como de organizar campanha pública, sob pretexto do combate à corrupção, e que compromete a democracia e o Estado Democrático de Direito. Evidentemente, referimo-nos à conhecida “Força Tarefa da Operação Lava Jato”, e não à totalidade dos integrantes do Ministério Público Federal e Ministérios Públicos Estaduais do Brasil. Este mesmo grupo, que Vossa Excelência e seus Distintos Pares decidiram homenagear com tão honrosa premiação, por seus atos, omissões e posturas, são responsáveis pelo clima político de derrubada de um governo legítimo, servindo, desta forma, aos piores interesses antidemocráticos, a seguir enumerados:

– o Sr. Deltan Dallagnol e a equipe que lidera concederam inúmeras entrevistas, exibiram-se em rede de notícias e em eventos políticos abertamente contrários aos governos dos ex-Presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além de permanecerem completamente omissos quando da ilegal condução coercitiva do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva em março de 2016; acontecimento amplamente divulgado na imprensa mainstream do Brasil;

– após o Juiz Federal Sérgio Moro criminosamente tornar pública escuta telefônica entre a então Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff e o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, enviando gravações de conversas para a Rede Globo de Televisão, nem os Procuradores da República da Força Tarefa da Operação Lava-Jato, nem o então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, nem o Conselho Nacional de Justiça tomaram qualquer providência disciplinar contra o referido Juiz, ou contra a mencionada Força Tarefa, apesar de o relator do caso no Supremo Tribunal Federal, Ministro Teori Zavascki, falecido pouco tempo depois em acidente com aeronave em circunstâncias nebulosas, ter reconhecido a ilegalidade da divulgação. A Rede Globo apoiou e reconheceu o apoio ao golpe militar do Brasil de 1964. Passados 50 anos, disse que o apoio teria sido um “erro”;

– o Procurador da República Deltan Dallagnol e sua equipe, a fim de angariarem apoio popular para o processo criminal contra o ex Presidente Luís Inácio Lula da Silva, realizaram exibição de arquivo power point em rede nacional de televisão para todo o País, em verdadeiro espetáculo, prática proibida, por exemplo, na atuação do Ministério Público nos Estados Unidos. A repercussão negativa deste episódio fez com que esse Procurador sequer comparecesse às audiências de interrogatório do ex-Presidente;

– a Força Tarefa da Operação Lava Jato e o Juiz Federal do caso toleram que Delegado da Polícia Federal que investiga acusações contra o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva e seu Partido dos Trabalhadores, promova campanha política contra Dilma Rousseff e o ex-Presidente Lula, em plena eleição de 2014, em redes sociais, sob o pretexto de que o Delegado apenas exercia seu direito constitucional de manifestação do pensamento;

– violando a Constituição, as Leis e a soberania nacional, a Força Tarefa da Operação Lava Jato entrega informações à justiça dos Estados Unidos da América, com quem dialoga frequentemente sobre andamento de processos brasileiros, permitindo que réus brasileiros firmem acordo de colaboração com a justiça dos Estados Unidos da América, em detrimento do interesse das empresas nacionais brasileiras; além de não submeterem seus pedidos de cooperação internacional ao trâmite legal, que prevê o pedido de informações internacionais, por via do Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil. Apenas num dos casos mais emblemáticos, o Tribunal Penal Federal da Confederação Suíça entendeu ilegal o envio ao Brasil de documentos sobre a Construtora Odebrecht. Esta documentação fora enviada sem o trâmite previsto no Decreto nº 6974, de 7 de outubro de 2009 (que trata da cooperação entre Brasil e Confederação Suíça) ao Procurador da República, que chefia a atuação do Min. Público Federal no caso. A documentação serviu de base para prisões preventivas. Na decisão, o Tribunal suíço entendeu o fato como “ajuda mútua acobertada” por “meios jurídicos selvagens” (wilde Rechtshilfe);

– no final de julho de 2018, a INTERPOL, com base no 2º artigo de sua Constituição, retirou o alerta vermelho sobre o cidadão brasileiro e espanhol Rodrigo Tacla Duran. Este alerta resultava de pedido do Juiz Federal Sérgio Moro, atendendo a requerimento da Força Tarefa da Operação Lava Jato. Tacla Duran era envolvido com transações financeiras na empresa Odebrecht, rastreadas pela Operação Lava Jato. Ao ser procurado pelo advogado Carlos Zucolotto para apresentar colaboração com a Justiça, Rodrigo Tacla Duran exibiu mensagem eletrônica onde o advogado Zucolotto teria pedido propina para negociar termos de sua colaboração com membros da Força Tarefa. A defesa do ex-Presidente Lula pediu seguidas vezes para ouvir Tacla Duran, o que foi negado pelo Juiz Federal Sérgio Moro. Os membros da Força Tarefa jamais ouviram Tacla Duran, mesmo havendo audiência marcada perante a Justiça Espanhola. Os membros da Força Tarefa jamais explicaram as acusações de Tacla Duran, a recair sobre um dos membro da mesma Força Tarefa. Após entrevistas públicas onde o Juiz Federal Sérgio Moro menciona o caso que está sob sua jurisdição, a INTERPOL entendeu que se acham presentes elementos objetivos quanto à atuação imparcial do Juiz Federal Sérgio Moro, que é amigo íntimo do advogado Carlos Zucolotto.

Há uma infinidade de abusos, ilegalidades conluios, parcialidades e prejulgamentos contra os acusados na Operação Lava Jato, praticados pelo Juiz Federal Sérgio Moro, pelo Procurador da República Deltan Dallagnol e sua equipe de Curitiba (Athayde Ribeiro Costa, Carlos Fernando dos Santos Lima, Diogo Castor de Mattos, Isabel Cristina Groba Vieira, Jerusa Burmann Viecili, Júlio Carlos Motta Noronha, Laura Tessler, Orlando Martello Junior, Paulo Roberto Galvão, Roberson Henrique Pozzobon, Antônio Carlos Welter and Januário Paludo). Notadamente contra o ex-Presidente Lula, o grande troféu de toda a Operação, e os integrantes de seu Partido, com o beneplácito dos tribunais revisionais e dos órgãos disciplinares, há um golpe de Estado em marcha no Brasil, destinado a influir nas próximas eleições.

Podemos afirmar com toda a segurança que, em qualquer país civilizado do mundo, em qualquer nação regida pelo Estado de Direito e pelo devido processo legal, o Juiz Federal Sérgio Moro e os Procuradores da República premiados pelo Special Achievement Award seriam afastados do processo por falta de imparcialidade além de repetidos abusos de poder.

Prezado Sr. Presidente Gerhard Jarosch, seriam muitas as particularidades que não caberiam nesta carta, mas qualquer um de nós está disposto a prestar esclarecimentos adicionais, se necessário, inclusive com documentos.

A Operação Lava Jato, capitaneada pelo Juiz Sergio Moro e pelos Procuradores da República Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, assumiu um rumo que contribuiu decisivamente para o Golpe de Estado que começou em maio e teve seu ponto alto em agosto de 2016, com a destituição da Presidenta reeleita, Dilma Rousseff. Articulado com poderosos barões da mídia brasileira, Sérgio Moro, o Poder Judiciário e o Ministério Público Federal conseguiram derrotar a democracia brasileira; conseguiram instalar no Brasil o clima político de fascismo e intolerância política.

O Sr., assim como todos nós que assinamos esta carta, bem conhecemos como pode ser o Direito utilizado para aparência de legalidade e para perseguição de adversários políticos. Até mesmo no interior do Ministério Público brasileiro, contrariando os Princípios de Havana, qualquer membro que critique a Operação Lava Jato pelos evidentes arbítrios que pratica, está sujeito a represálias e perseguições disciplinares.

Por tais razões, Sr. Gerhard Jarosch, julgamos conveniente adverti-lo de que a concessão de seu Prêmio não representa a luta contra a corrupção no Brasil, não representa o fortalecimento da democracia no Brasil. Ao contrário: representa a consagração do arbítrio, a justificação dos meios pelos fins, o retorno a tempos que julgávamos superados na democracia constitucional e política de nosso País.

Solicitamos respeitosamente uma reconsideração da concessão da premiação. Sua entrega neste momento terá consequências nefastas, indevidas e imediatas na presunção de inocência de pessoas que lutam para vê-la reconhecida pelas vias recursais próprias (a despeito da politização do caso no Poder Judiciário), e consequências mediatas importantes, igualmente indevidas e nefastas, nas eleições presidenciais a se realizarem em outubro de 2018.

Com nosso profundo respeito,

Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia – Universidade Federal de Ouro Preto/Minas Gerais

Ana Paulina Aguiar Soares – Universidade Estadual do Amazonas

André Karam Trindade – Faculdade Guanambi/Bahia

António José Avelãs Nunes – Universidade de Coimbra – Catedrático Jubilado

Antônio Gomes Moreira Maués – Universidade Federal do Pará

Beatriz Vargas Ramos Rezende – Universidade de Brasília

Carol Proner – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Cynara Monteiro Mariano – Universidade Federal do Ceará

Ecila Moreira de Meneses – Centro Universitário Estácio do Ceará

Emílio Peluso Neder Meyer – Universidade Federal de Minas Gerais

Enzo Bello – Universidade Federal Fluminense/Rio de Janeiro

Eugênio Guilherme Aragão – Procurador da República (aposentado). Conferencista e Advogado Criminalista

Fábio Kerche – Fundação Casa de Rui Barbosa /Rio de Janeiro

Felipe Braga Albuquerque – Universidade Federal do Ceará

Fernando Dantas – Universidade Federal de Goiás

Flávio Leonel Abreu da Silveira – Universidade Federal do Pará

Flávio Wolf de Aguiar – Universidade de São Paulo

Friedrich Müller – Universidade de Heidelberg

Gilberto Bercovici – Universidade de São Paulo

Gisele Citadino – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Gustavo César Cabral – Universidade Federal do Ceará

Gustavo Ferreira dos Santos – Universidade Federal de Pernambuco/ Universidade Católica de Pernambuco

Gustavo Raposo Feitosa – Universidade Federal do Ceará/Universidade de Fortaleza

Isabel Lustosa – Fundação Casa de Rui Barbosa /Rio de Janeiro

Jânio Pereira da Cunha – Universidade de Fortaleza/Centro Universitário Christus

Jardel Dias Cavalcanti – Universidade Estadual de Londrina/Paraná

José Benevides Queiroz – Universidade Federal do Maranhão

José Carlos Moreira da Silva Filho – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

José Luiz Bolzan de Moraes – Faculdade de Direito de Vitória

Juarez Tavares – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Juliana Neuenschwander Magalhães – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Jurandir Malerba – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Léa Francesconi – Universidade de São Paulo

Linda Maria de Pontes Gondim – Universidade Federal do Ceará

Luiz Dagobert de Aguirra Roncari – Universidade de São Paulo – Sênior

Marcelo Cattoni – Universidade Federal de Minas Gerais

Marcelo Neves – Universidade de Brasília

Marcelo Sampaio Carneiro – Universidade Federal do Maranhão

Márcia Marques de Morais – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Marcus Giraldes – Fundação Oswaldo Cruz

Maria Rita Garcia Loureiro Durant – Fundação Getúlio Vargas

Margarida Lacombe Camargo – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Mariana Mont’Alverne Barreto – Universidade Federal do Ceará

Maristela de Paula Andrade – Universidade Federal do Maranhão

Martonio Mont'Alverne Barreto Lima – Universidade de Fortaleza

Matheus Felipe de Castro – Universidade Federal de Santa Catarina

Newton de Menezes Albuquerque – Universidade Federal do Ceará/Universidade de Fortaleza

Renan dos Santos Silva – Universidade Estadual de Londrina/Paraná

Renato Chaves Ferreira – Universidade Federal de Juiz de Fora/Minas Gerais

Rubem Leão Rêgo – Universidade de Campinas

Sandra Maria da Mata Azeredo – Universidade Federal de Minas Gerais

Sérgio Sérvulo da Cunha – Universidade Católica de Santos – Sênior

Thomas Bustamante – Universidade Federal de Minas Gerais

Valéria Guimarães – Universidade Estadual Paulista

Walquíria Gertrudes Domingues Leão Rêgo – Universidade de Campinas

Walter Antillón – Universidade da Costa Rica

Willis Santiago Guerra Filho – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/Pontifícia Universidade Católica de São Paulo