Plataforma Bolsonaro: ungir Paulo Guedes ao posto de czar do Brasil

O programa de governo do presidenciável exagera nos bordões, repete sensos comuns e oferece ideias irrelevantes ou inaplicáveis.

Por Sérgio Lirio

Polêmicas marcam passagem de Jair Bolsonaro por Fortaleza

 Candidatos a qualquer cargo executivo no Brasil costumam desprezar os projetos de governo. Os documentos, longos ou curtos, em geral reúnem platitudes e sensos comuns e são depositados nos tribunais eleitorais por formalidade. Quase sempre, os eleitos fazem, no poder, exatamente o contrário do escrito em suas plataformas de campanha.

O programa de Jair Bolsonaro supera, porém, esse clássico menosprezo das disputas eleitorais. Em 81 páginas do "Caminho da Prosperidade", os escribas do candidato reafirmam, sempre em letras garrafais, lugares comuns (“a Constituição é a lei máxima” do País), abusam dos bordões do presidenciável (“Brasil acima de tudo, Deus acima de tudo” ou “A nossa bandeira é verde-amarela) e lançam ideias grandiloquentes, irrelevantes e inexequíveis.

A principal delas é a criação de um superministério da Fazenda, cuja única função é reafirmar ao mercado financeiro o compromisso de Bolsonaro de ungir o economista Paulo Guedes ao posto de czar do Brasil.

Bolsonaro sentaria na cadeira da presidência no Palácio do Planalto, mas quem comandaria o País de fato seria Guedes. Depois do vice “decorativo”, inauguraríamos a fase do presidente “decorativo”.

Segundo o que o próprio candidato repete em entrevistas e debates, sua função seria, na melhor (ou pior) das hipóteses, garantir a ordem em caso de protestos contra as reformas ultraliberais que seu superministro tentaria impor ao País. Ao gosto do capitalismo autoritário que toma forma no Brasil desde o impeachment de Dilma Rousseff.

A equipe de Bolsonaro recorre à velha e falsa premissa segundo a qual uma redução do número de ministérios ou a fusão de pastas aumentaria imediatamente, no dia seguinte, a eficiência do Estado. As experiências reais desmentem essa ilusão. Além das funções atuais da Fazenda, que não são poucas nem fáceis, o superministro teria de cuidar do planejamento, o que inclui a gestão dos servidores, e dos bancos estatais, essenciais para a retomada do desenvolvimento.

E se acontecer o mais provável, um fracasso do Super-Homem Guedes na implementação de suas políticas ultraliberais? Ou alguém duvida da resistência no Congresso e nas ruas? Ou das dificuldades econômicas que o eleito enfrentará durante o mandato e que irão limitar o raio de ação de um governo? Ou das inúmeras provas internacionais dos resultados pífios de políticas que retiram direitos dos trabalhadores e deprimem o consumo?

Bolsonaro teria um plano “B”? Resistiria a uma queda de popularidade e manteria o Super-Guedes a todo custo? Há uma leva de superministros disponíveis na praça para substituir o seu mentor em caso de fracasso?

O capitão não estaria imune a um efeito típico da política: quanto mais impopular um presidente, mais refém ele se torna das forças no Congresso e dos partidos. Bolsonaro, diante de uma crise persistente, toparia entregar o superministério em um acordo que lhe desse sustentação no Parlamento?

No mais, o programa reflete totalmente o jeitão de Bolsonaro. No lugar de diagnósticos claros e precisos, frases de efeito. Estão lá menções de uma de suas obsessões, o Foro de São Paulo (que perdeu um pouco do charme após o surgimento da Ursal do Cabo Daciolo).

Segundo o texto, boa parte da violência no Brasil e seus 64 mil assassinatos é culpa de governadores de “esquerda” ligados ao Foro. Pelo raciocínio, talvez bastasse acabar com as reuniões periódicas de partidos progressistas da América Latina para reduzir substancialmente o problema no País.

O candidato, claro, também reafirma a linha “prende-e-arrebenta”. A política de encarceramento, afirma o programa, é a saída. “Prender e deixar na cadeia salva vidas”, grita o texto.

Em outro temas, as páginas empilham ideias diversionistas que passam longe das soluções estruturais.

Na saúde, propõe incluir profissionais de educação física no programa Médico de Família e libertar os “irmãos cubanos” (as famílias de profissionais que atuam aqui poderiam emigrar).

Na educação, defende acabar com a doutrinação e a sexualização precoce nas salas de aula. Além de prometer a inauguração de uma (repito, uma) escola militar em cada capital.

Para gerar emprego, sugere-se criar uma carteira de trabalho verde-amarela, diferente da azul e desvinculada das poucas regras que permaneceram de pé na CLT. Os trabalhadores, afirma o documento, poderiam optar por uma ou outra.

Na política exterior, promete-se não negociar com “ditaduras” e uma aproximação dos Estados Unidos (que se mostra pouco interessado no Brasil) e de Israel.

Depois da Ponte para o Futuro do governo Temer, cujos resultados estão à vista de todos (desemprego, anemia econômica e falta de perspectiva), os brasileiros são apresentados ao Caminho da Prosperidade de Bolsonaro.

Alguém poderia insinuar que, como no caso das boas intenções, as ideias no programa de Bolsonaro parecem pavimentar o caminho para o inferno.