Brasileiras exigem resposta do governo sobre assédio contra russa

Casos de violência de gênero, segundo a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, são uma “pandemia global” e precisa ser combatida por todas as nações. Entidades de defesa dos direitos femininos e lideranças políticas repudiam atitude de torcedores brasileiros que agrediram mulher na Rússia.

Por Iberê Lopes

Brasileiras exigem resposta do governo sobre assédio contra russa - Reprodução da internet

O assunto em todos os cantos do Brasil é a Copa do Mundo na Rússia. Mas no último final de semana não foi o debate sobre futebol que dominou as redes sociais. Um grupo de brasileiros foi protagonista de cenas de misoginia, que se espalharam rapidamente pela internet.

Torcedores da seleção aparecem em um vídeo onde junto a uma estrangeira fazem referência à genitália dela. As imagens deixam claro que a mulher não entende a língua portuguesa e tenta repetir a frase pensando ser uma brincadeira. Eles repetiram as palavras "boceta rosa" várias vezes.

A União Brasileira de Mulheres (UBM) emitiu nota repudiando a atitude dos torcedores “que assediam russas e que exaltam frases repugnantes e repulsivas”.

Segundo a entidade de defesa dos direitos das mulheres, a violência contra o sexo feminino está perigosamente naturalizada e cada vez mais crescente, “a ponto que é quase impossível passar um dia sem que se saiba de alguma humilhação, violando a integridade física ou tirando a vida um outro ser humano pelo simples fato de se tratar de uma mulher”.

Mesmo diante da agressão, o ministério das Relações Exteriores disse que não pode agir. Segundo informações, o órgão deve apenas orientar os visitantes brasileiros quanto sua conduta em outros países.

Sobre o caso, a pré-candidata à presidência da República, Manuela D’Ávila, disse que o episódio revela duas questões que marcam o Brasil de 2018. “De um lado o machismo, o racismo, a misoginia, o assédio que é muito forte e naturalizado no país. É o tradicional é “brincadeira”, é “comum”. De outro lado, a força da luta das mulheres que não calam e não calarão”, afirmou em sua conta no twitter.

No início de junho, a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, alertou sobre a escalada de violência contra as mulheres e meninas. Em Bruxelas, para o fórum Dias Europeus de Desenvolvimento, ela descreveu o tema como uma “pandemia global”.

Amina cobrou que países ponham um fim aos abusos motivados por questões de gênero — quando uma mulher é agredida simplesmente por ser mulher.

“Ataques e discriminação estão profundamente encravados em normas, atitudes e práticas sociais”, afirmou a representante das Nações Unidas. “Transformar essas mentalidades exigirá investimentos significativos de tempo, recursos e vontade política”, disse.

Atualmente, segundo a ONU, uma em cada três mulheres é ou será vítima de violência de gênero no mundo. Em média, por ano, 17 milhões de meninas se casam quando ainda são menores de idade. Quase metade das mulheres assassinadas são mortas por um parceiro ou ex-parceiro.

Relatora da Lei Maria da Penha na Câmara, principal instrumento legal de combate à violência de gênero no Brasil, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) pediu aos jogadores da seleção que se pronunciem contra o assédio sofrido pela russa. “Essa mensagem não pode ficar assim, sem resposta. A torcida brasileira tem milhões de mulheres. São filhas, mães, avós… respeito!”, reclamou.

Nas imagens, é possível identificar entre os agressores, o advogado e ex-secretário de Turismo de Ipojuca (PE), Diego Jatobá. Nesta segunda-feira (18), a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) fez um ato de repúdio ao machismo praticado por Jatobá.

Em nota assinada pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Pernambuco, Ronnie Preuss Duarte, e pela presidente da Comissão da Mulher Advogada, Ana Luiza Mousinho, a entidade reafirmou o compromisso de proporcionar “às mulheres a garantia de exercício de suas liberdades individuais e sexuais, com igualdade de espaço, de oportunidades e, sobretudo, de tratamento".

No site do Itamaraty existe apenas um guia voltado aos torcedores, sem citar o assunto, que alerta para “materiais publicitários de qualquer tipo, panfletos com conteúdo religioso, político ou ofensivo, ou informações que atentem contra a ordem pública e/ou moral”. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não se pronunciou sobre o caso.

Crimes contra a dignidade sexual estão em debate no Congresso Nacional

Projeto de lei que prevê aumento de pena para crimes contra a dignidade sexual estará em discussão nesta quarta-feira (20), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. O texto é um substitutivo da Câmara dos Deputados ao conteúdo de autoria da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

Depois que foi aprovada no Senado, os deputados propuseram novas causas de aumento de pena para os crimes desta natureza, além de indicarem mais três tipos penais: importunação sexual; induzimento ou instigação a crime contra a dignidade sexual e incitação ou apologia de crime contra a dignidade sexual.

De acordo com o relator da matéria, senador Humberto Costa (PT-PE), no mérito, as alterações da Câmara "são benéficas e oportunas, porquanto oferecem resposta a pleitos antigos da população feminina e aperfeiçoam a legislação penal, preenchendo alguns vácuos legislativos".