Mudanças no Fies reduzem número de novos contratos e afetam estudantes

Após as mudanças na forma de contração do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – a primeira em 2015 e a segunda que entrou em vigor em 2018 – a redução dos novos contratos com juro zero foi ainda maior no início deste ano. De 310 mil contratos possíveis, apenas 100 mil têm recursos da União e nenhuma taxa. Essa queda é drástica se comparada ao ápice do programa em 2014 quando cerca de 40% dos universitários de graduação presencial no país tinham o Fies.

Por Verônica Lugarini

Fies

A queda nas contratações do Fies é resultado das alterações realizadas pelo governo Dilma Rousseff em 2015, depois do ápice do programa em 2014, e em 2018 pelo governo Michel Temer. A primeira mudança ocorreu por conta do crescimento exponencial do programa. De acordo com o FNDE, o Fies usou R$ 13,7 bilhões em 2014, sendo que antes, os investimentos não passavam de R$ 7,67 bilhões.

Assim, o prazo para pedido de novos contratos foi limitado, além de vincular a aceitação do pedido de financiamento a cursos com notas mais altas nos indicadores de qualidade, privilegiar instituições de ensino fora dos grandes centros e exigir que os estudantes interessados em contratos de financiamento do governo tivessem média de pelo menos 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

A segunda entrou em vigor este ano e novamente sob a justificativa de que o programa estava com um rombo de R$ 3,1 bilhões e taxa de mais de 40% de inadimplência. E a mudança ocorreu na forma de quitação do empréstimo e na criação de três formas de contratos. Agora, o pagamento será descontado em folha assim que o estudante conseguir o primeiro emprego formal, com parcelas de até 10% da renda mensal.

Essas novas regras do Fies também preveem três tipos de contratos. A modalidade do Fies 1 irá ofertar 100 mil vagas, voltadas para estudantes com renda per capita familiar de até três salários mínimos, sem cobrança de juro, e o risco de inadimplência deverá ser compartilhado com as universidades. Com essa alteração, o governo corta 2/3 das vagas destinadas aos estudantes mais pobres. Ou seja, agora dos 310 mil contratos do Fies em 2018, apenas 100 mil são do tipo Fies 1.

Já o Fies 2 deverá oferecer 150 mil vagas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste para estudantes com renda familiar per capita de até cinco salários mínimos, com juros de até 3% ao ano, mais correção da inflação.

Tanto o Fies 2 quanto o Fies 3 terão o risco de crédito compartilhado com instituições financeiras. Assim, os bancos serão responsáveis pela aprovação do financiamento. Apesar dessa divisão do risco de inadimplência ser vista como positiva pelo governo, ela pode trazer riscos ao programa. Ou seja, na prática, milhares de estudantes podem ficar sem acesso ao programa por não preencherem os requisitos dos bancos. Com isso, as instituições financeiras devem selecionar alunos com notas mais altas e com melhor perfil socioeconômico, seguindo novamente a lógica do sistema financeiro que deteriora a possibilidade de tomada de crédito pelos mais pobres.

Dessa forma, os impactos do redimensionamento do programa em 2015 já começaram a ser sentidos em 2017.

Ano passado, a quantidade de novos contratos do Fies foi de apenas 170.905, o número mais baixo em seis anos de programa, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Em 2016 o número de contratos foi de 193.359, em 2015 era de 273.796 e em 2014, ápice do programa, os contratos chegaram a 690.588. Com isso, o programa teve o menor patamar de contratos em seis anos com uma diferença de 500 mil matrículas pelo Fies entre 2018 e 2014.

Nesse cenário, a União Nacional dos Estudantes (UNE) afirmou que as mudanças de 2018 poderiam desestimular a participação dos jovens no programa e diminuir a democratização do acesso à educação.

Diante da concentração de vagas nas universidades particulares, o Fundo de Financiamento se apresentou como alternativa para estudantes de baixa renda ingressarem no ensino superior.
De acordo com dados do Ministério da Educação, em 2015, 50,07% dos contratos de financiamento eram firmados por estudantes negros e 25,4% das matrículas do Fies para medicina foram de afrodescendentes.

Para a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), as mudanças entre 2015 e 2017 pioraram o sistema e foram no sentido de restringir mais o acesso à educação, atingindo principalmente o aluno que mais precisava e que não conseguia pagar a diferença entre o que foi financiado e o valor da mensalidade.

Já o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, disse que a expansão e a questão orçamentária do Fies geraram uma bomba relógio que pressionou o Tesouro Nacional.

Segundo ele, “o problema é que quando o Fies é revisto, ele é revisto simplesmente tirando matrículas dos estudantes e o número de contratos. Isso acontece muitas vezes com estudantes que não são novos ingressantes. Ou seja, eles já têm o Fies, mas não conseguem renovar o contrato. E é isso não pode acontecer porque se o Estado erra na política, ele não pode prejudicar o estudante”, afirmou Cara em entrevista ao Portal Vermelho.

Apesar de se ter uma democratização do acesso à educação com o Fies, Daniel Cara avaliou que os governos poderiam ter evitado o cenário atual se o Estado tivesse realizado, desde o início, uma regulação no âmbito dos estabelecimentos privados de ensino superior no país.

“O Fies é uma política muito delicada porque de 2010 até 2014 ele foi uma política que o governo federal não fez uma regulação no âmbito dos estabelecimentos, ou seja, as instituições cobravam o preço que queriam para as matrículas e com isso gerava uma dívida para os estudantes e um subsídio muito alto para o Estado. Por isso, acredito que a saída é a regulação do setor da educação superior com o Estado tendo de fato um poder de pressionar por mensalidades honestas e também por qualidade. Por que hoje os estudantes que ingressam na universidade, muitas vezes ingressam em cursos de baixa qualidade. Então é uma fábrica de diplomas e precisamos determinar que a política de educação precisa ser prioritária”, frisou Cara.