O ataque na Síria, uma forma dos EUA mostrarem sua vontade de intervir

Após o ataque dos Estados Unidos, França e Reino Unido a bases de pesquisa na Síria no sábado (14), alguns fatos vêm à tona. Apesar dos Estados Unidos se vangloriarem de terem “cumprido a missão”, houve um cuidado especial para não atacar alvos russos; estranhamente, os EUA só se importam agora com a vida dos sírios

Por Alessandra Monterastelli *

trump na siria - Latuff

Donald Trump buscou dar um recado ao Oriente Médio, mostrar que ainda pode intervir frente a sua constante perda de influência na região. Mostrou seu poder bélico, e apesar do seu discurso de campanha, que prometia retirar as tropas americanas de países estrangeiros, lembrou que quando os interesses dos Estados Unidos estão em jogo a intervenção é sempre uma opção.

Quais seriam esses interesses? Cresce cada vez mais a influência do Irã (agora uma potência regional) e da Rússia no Oriente Médio. Israel (antes o único destaque militar e econômico da região) teme a ascensão (também ideológica) do Irã, e pressiona os Estados Unidos (uma vez que o lobby desse país dentro do Pentágono é forte). Além disso, a Síria, apesar de não ter grandes reservas de petróleo, é uma rota mais prática, e sua decadência um passo a mais em direção ao Irã- a maior reserva de gás e a terceira maior de petróleo do mundo, como lembra a Carta Maior. Frear o desenvolvimento do Irã e do Iraque em benefício da supremacia de Israel era um plano desde a época de Bush. Isso justifica também a imposição de sanções econômicas e castigos políticos contra o Irã (travestidos de “retaliações” por um suposto descumprimento do acordo nuclear, que já foi desmentido por entidades fiscalizadoras de armas nucleares).

A justificativa foi o ataque químico -que ainda não foi investigado pela Organização para Proibição de Armas Químicas, órgão mundial de supervisão de armas químicas. O órgão anunciou nessa segunda-feira (16) que irá a Duma para proceder com a investigação nessa quarta-feira (18). Contudo, EUA, França e Reino Unido se adiantaram, acusando o governo de Bashar al-Assad de atacar seu próprio povo com químicos. Assad nega; argumenta que concordou em abrir mão de seu arsenal de armas químicas em 2013, e se submeteu a inspeções da OPAQ, além do fato de que não teria motivo para tal ação, uma vez que as tropas sírias estão avançando com sucesso, e a guerra civil está praticamente vencida pelas forças do Estado. O Kremlin avisou há um mês que um ataque químico seria arquitetado por terroristas e rebeldes anti-governo para justificar uma retaliação por parte dos Estados Unidos.

Trump twittou “missão cumprida” após o lançamento dos mísseis. O uso do termo lembrou o presidente George Bush, que depois de invadir o Iraque (ato responsável pelo nascimento do Estado Islâmico, basicamente) usou o mesmo bordão.

Soa estranha a preocupação e solidariedade de Trump com o povo sírio, que a pouco tempo não escondia sua intenção de retirar com certa urgência as tropas norte-americanas na Síria. Além disso, o Pentágono mantém silêncio absoluto em relação a intensa violência contra os palestinos pelo exército israelense.

Apesar das ameaças pelo twitter também à Rússia na semana passada, Trump pareceu não querer incomodar diretamente seus rivais. Segundo a Folha de São Paulo, os Estados Unidos confirmaram a utilização de linhas de comunicação usuais com a Rússia, e Jim Mattins afirmou que foram evitados “danos civis e estrangeiros”.

A partir daí, resgatamos a explicação do professor Reginaldo Nasser, do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP, em entrevista sobre o assunto para o Portal Vermelho na semana passada: houve momentos muito mais tensos em termos geopolíticos entre Estados Unidos e Rússia (por exemplo o episódio da Bahia dos Porcos, que terminou com a Rússia retirando seus mísseis de Cuba, ou a invasão do Afeganistão pela União Soviética, que os EUA responderam dando armas aos Talibãs, causando drásticas consequências que ecoam até hoje no país do Oriente Médio), mas que mesmo assim ambos os países nunca entraram em um confronto direto; dessa vez não seria diferente.

Para o professor, as diferenças entre os Estados Unidos e a Rússia são notórias, mas os interesses em comum, como por exemplo os acordos comerciais, além do perigo de um confronto em larga escala, fazem com que Trump recue.

O ataque pode ter sido tanto uma forma de lembrar o seu poder de interferência quando a rota dos países sai do caminho dos interesses comerciais imperialistas quanto uma mensagem de “estamos abertos” para negociar um golpe para a retirada de Assad do poder.

“[O discurso de Trump] Representa uma oportunidade de reforçar a ideia central de sua agenda (fazer da ‘América grande de novo’) ao mesmo tempo em que permite desviar a atenção da opinião pública norte-americana de questões domésticas, que polarizam o país, para assuntos externos com grande capacidade de conciliação de interesses”, afirma a pesquisadora e professora Fernanda Manhotta, em artigo para a Folha.

“Os Estados Unidos construíram sua identidade e reforçam suas posições de forma relacional e sempre em contraposição a um inimigo externo”, escreveu. E lembra, ainda, um fato curioso: na semana passada, quando Trump discursava sobre a Síria, o FBI realizava uma operação no escritório e na casa do advogado pessoal do presidente, em relação ao possível envolvimento da Rússia nas eleições norte-americanas. “A sensação é de que o deteriorar da relação com a Rússia acompanha o ritmo da investigação contra Trump”, lembrou Manhotta.

“A Síria está sendo bombardeada há muito tempo por todos. Ontem atingiu Damasco. Politicamente é mais grave, mas da perspectiva humanitária já teve coisa bem pior”, publicou nas redes sociais o professor Nasser. Ele lembra que nenhum dos mísseis lançados atingiu instalações militares Russas; para ele, o caso da Síria é o típico de uma guerra patrocinada, que esconde interesses maiores por parte de potências.

Respostas

Vladmir Putin reforçou que os norte-americanos, britânicos e franceses violaram a Carta das Nações Unidas. Para o presidente russo, se a situação voltar a acontecer, esses atores “inevitavelmente levarão o caos às relações internacionais”.

Hasan Rowhani, presidente iraniano, afirmou que “alguns países ocidentais não querem que a Síria consiga estabilidade permanente”, e que permitir o surgimento de uma nova tensão na região é irresponsável.

“Se o objetivo era pressionar por uma solução política, acho que isso vai complica-la, piorar as relações internacionais e o caminho de Genebra, se não torpedeá-lo” afirmou o líder do Hezbollah na ONU.

“Estamos na mesma batalha contra o terrorismo e pela proteção da lei internacional baseada no respeito à soberania dos países e à vontade de seus povos” disse Bashar Al-Assad, o presidente sírio, que também declarou que a Síria e a Rússia sofrearam uma intensa campanha de desinformação e mentiras.