Violência contra mulher, agora é crime!

Por Zilda Martins de Quadros


 


Quando falamos em violência, costumamos pensar em ameaças, assaltos, agressões, estupros, homicídios perpetrados por estranhos. Fomos criadas ouvindo que a rua é perigosa

As pesquisas reforçam o que o dia-a-dia mostra. De acordo com um estudo, realizado pela Fundação Perseu Abramo em 2001, uma em cada cinco brasileiras declarou ter sofrido violência por parte do parceiro, incluindo os ex. Em outra pesquisa, feita em 2003, pelos Institutos Noos e Promundo, 51% dos homens entrevistados disseram ter usado algum tipo de violência – física, psíquica, sexual – contra sua parceira pelo menos uma vez, sendo que 25% usaram violência física.


 


 


Agora, a violência doméstica contra as mulheres abandonou a área dos sussurros, afastou-se da zona embaçada na qual “todo mundo sabe, mas evita falar”. Ela migrou para a esfera das discussões e preocupações sociais. Tornou-se uma questão de saúde pública e tem impacto negativo no PIB do país, uma vez que mulheres agredidas faltam mais ao trabalho e tendem a produzir menos.


 


 


Agora é Lei


 


Durante décadas, o movimento de mulheres botou a boca no trombone, denunciou maus-tratos, criou grupos de apoio, incentivou a implantação de Delegacias Especiais de Mulheres, entre outras ações. Não obstante, a legislação permaneceu omissa e frouxa no tocante aos agressores. No máximo, eles levavam um pito do delegado e, quando condenados, apenas tinham que fornecer cestas básicas. Cabia à mulher queixosa um longo calvário, além de ser a responsável por entregar a intimação policial ao agressor.


 


 


A nova lei,  rompe com a dicotomia público/privado evidenciada pelo antigo ditado “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. O espaço doméstico que estava destinado exclusivamente à mulher era inatingível. Isso gerou um sentimento de impunidade pela violência doméstica, como se o que acontecesse dentro da casa não interessasse a ninguém. A autoridade do marido, no moldes da família patriarcal, permitia o direito de dispor do corpo, da saúde e até da vida da sua esposa. Essa autoridade do homem/marido sempre foi respeitada de forma que a Justiça parava na porta do lar, e a polícia sequer podia prender o agressor em flagrante.


 


 


Com a Lei de Combate à Violência Doméstica e Familiar, sancionada pelo presidente Lula, em agosto de 2006, a história pode começar a mudar. A Lei Federal 11.340/2006 foi batizada como Lei Maria da Penha, em homenagem à professora universitária cearense Maria da Penha Maia que ficou paraplégica por conta do marido ter tentado assassiná-la. Ela teve que esperar dezenove anos para ver seu agressor na cadeia. Marco Antonio Herredia, também professor universitário, cumpriu dois anos dos oito de sua condenação. Hoje, circula livre, leve e solto.


 


 


A Lei agora impõe medidas mais eficazes para coibir a violência doméstica. Por exemplo, a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A prisão em flagrante. O aumento da pena de detenção. Prevê também trabalhos de sensibilização e educação de gênero para agentes policiais e judiciais.


 


 


Mas o principal da  lei está na retirada dos casos de violência doméstica da relação de crimes de menor poder ofensivo. Do jeito que estava, a violência doméstica era comparada com uma discussão de bar. Agora, ela passa a ser entendida como crime e ponto. Outro fator importante: a mulher só poderá retirar a queixa frente a um juiz, não mais frente ao delegado ou delegada.


 


 


Um assunto em debate


 


Somente a lei, basta para frear o flagelo da violência doméstica contra a mulher. Em Chapecó como em todo o pais desde sancionada a lei aumentou em muito os registros de casos de violência doméstica contra mulher, porém somente o sistema penal, é porque o que foi implementado até agora  da lei está somente no Judiciário, e os programas sociais e educativos que a lei prevê, como estão sendo implantadosp. A Lei, sancionada, só terá efeito se for trabalhada ao lado de conjunto de ações transformadoras. Muitas delas têm a ver com o nosso cotidiano. Atrás de um marido agressor existe uma cultura inteira que o encoraja. A idéia de que “o homem manda e a mulher obedece”, a idéia de que “a mulher é propriedade do marido” ainda ressoam nas entrelinhas da nossa consciência.


 


 


São séculos de submissão e de aceitação que necessitam ser desconstruídos. Homens e mulheres precisam ser educados para uma vida sem violência. Todos podemos colaborar prestando atenção em como criamos nossos filhos e filhas, em como tratamos nossas parceiras e parceiros. Enfim, como nos posicionamos nas relações íntimas e sociais.
 


 


Ninguém pode imaginar um novo mundo, uma democracia real enquanto mulheres – independentemente de sua classe social, raça, grau de escolaridade – seguirem sendo ameaçadas e agredidas dentro de suas casas.


 


 


Somente uma verdadeira força-tarefa contra a violência – de rua e doméstica – poderá nos dar a chance de saborearmos o melhor de nós mesmos e da civilização.


 


 


 


Zilda Martins de Quadros é Conselheira Estadual da União Brasileira de Mulheres – UBM e Presidenta do Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Chapecó.