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Brasigóis Felício: A pedra no caminho

São demais os caminhos desta vida que levam aos desencontros entre homens e
mulheres. Quando elas querem não queremos, quando queremos, elas não querem.
Então vão todos ficando no miserere , a ver navios, mesmo não sendo
marinheiros. Cupido tem má pontaria e, com freqüência tragicômica, quase
sempre erra suas flechadas. Um amigo meu, que exerce o sacerdócio do
magistério, contou-me um caso verdade, que com ele se deu.


 



Uma aluna sua, sem mais aquela, aprochegou-se de seu semblante e, à queima
roupa, fez-lhe uma confissão, dessas que uma mulher só faz a uma amiga do
peito: “-Hoje vou trair meu marido pela primeira vez na minha vida”. Ao que
o mestre, sem perder a pose professoral, respondeu: “- A primeira vez é a
que fica. O resto é mera repetição. Posso saber quem é o felizardo?”. “- É o
meu ginecologista”. “-Ah, sim, você escolheu bem. Ao menos ele já conhece o
sítio onde vai lavorar. Posso saber por que você vai trair seu marido? Vocês
não se dão bem?”. “-Nós nos damos às mil maravilhas. Ele é o maridão que
qualquer mulher desejaria ter. Fiel até não poder mais. Por ele eu ponho a
mão no fogo. Não deixa faltar nada em casa, me dá de um tudo. Com os filhos,
então, ninguém é mais amoroso”. “-Mas se ele é assim, gastoso e pagoso, por
que você quer traí-lo?”. “O senhor sabe como é… com o tempo a relação
esfria, o sexo já não tem graça, a gente vira irmão um do outro”.


 



“-Você não tem medo de ser flagrada?”. “-Eu sei, trair é sempre um risco.
Mas não há nada sem risco, nesta vida. Não foi o senhor mesmo quem disse,
citando um tal de Guimarães Rosa, que viver é perigoso?”. “-Vocês se
conhecem há muito tempo?”. “-Não me venha com não me toques! Sendo um homem



de verdade, sabe que trair e coçar é só começar. Não é preciso muito
conhecimento de causa. Ele me dá carona todas as vezes que tenho consulta”.
“- Então vale a pena chegar às vias de fato, porque risco você já estão
correndo. O que diria alguém ao ver os dois no carro dele? Pensaria que
estão a caminho de um pic-nic , no Mutirama?


 


 


Dias depois, professor e aluna encontrando-se, de novo, no intervalo de um
colóquio de letras, desses que são pretexto para outros colóquios, ela o
aborda, com a mesma sem-cerimônia.:”-Professor, quero lhe dizer: naquele dia
aconteceu, mesmo”. “-E daí, o risco valeu a pena?”. “- Nem tanto! Só valeu
pela aventura, questão de adrenalina. Ele é ruim de serviço, é do tipo
ligeirinho… meu marido é muito melhor do que ele. “-Pois então, não vai
prosseguir com o caso?”. “-Com ele, não. Gostaria de ter um amante que
exercesse o sacerdócio do magistério. Você toparia? “-Só se for a qualquer a
qualquer momento. Dagorinha a um tiquinho de tempo… é só o prazo de acabar
este colóquio. Mas sem perder o respeito que deve existir entre aluna e
professor, já que você para se apaixonar por profissões, não por pessoas”.
“-Me dá um tempinho… Preciso fazer uma cirurgia, tirar umas pedras dos
rins, que andam muito ruins. O exame deu que tenho uma pedreira dentro de
mim. É questão de alguns dias, e estarei inteira, prontinha para você.
Enquanto isto, meu maridinho vai cuidando de mim”. (Fecha o pano. Rápido).