Redução continuada dos juros dá sinal de alívio no superávit

Por André Barrocal, na Carta Maior
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) voltou a reduzir a taxa básica de juros em meio ponto percentual, em reunião nesta quarta-feira (18), a penúltima de 2006, fixando a Selic em 13,75% ao ano,

A disposição para abrandar o arrocho fiscal consta do programa do PT e visa reforçar os investimentos públicos, considerados peça-chave para o crescimento do país, por animarem os empresários fazer o mesmo. Aliviar o superávit liberaria dinheiro para investimentos.



Pelo programa do PT, o alívio depende de algumas condições, e a queda do juro do BC é a mais importante delas. Com juro menor, a dívida pública cai, e o crescimento do país pode acelerar. Esta combinação mudaria um indicador essencial nas avaliações do “mercado” sobre o Brasil: o peso da dívida no Produto Interno Bruto (PIB), que é o total de riquezas produzidas em um ano.



O “mercado” usa a variável “dívida/PIB” para calibrar a usura imposta ao governo sempre que compra título público (dívida nova). Quanto mais a dívida come o PIB, mais ele teme que o governo fique sem ter como pagá-lo e lhe dê calote. Por isso, para se prevenir, cobra juro e superávit primário elevados.



Como o governo aceita esta lógica, a opinião do “mercado” influencia certas decisões. Daí a necessidade de a relação dívida/PIB ter de cair, para recuar o superávit. Desde 2004, a dívida morde 51% do PIB, sendo 46% dela corrigidos pela taxa do BC. Portanto, quando o BC reduz o juro – o que a diretoria decidiu fazer por unanimidade nesta quarta-feira (18), tendo em vista que a inflação está contida -, controla quase metade da dívida.



“A proposta para o próximo mandato é manter a meta de superávit primário de 4,25% do PIB. Mas, se houver uma queda da relação dívida/PIB, poderemos usar mais o PPI”, diz Nelson Barbosa, secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda e responsável pela área econômica do programa do PT.



Alívio via PPI



O PPI citado pelo petista é o Projeto Piloto de Investimentos e existe exatamente para abrandar o arrocho. Criado em 2004 num acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), protege certos investimentos da política de corte de gastos. Tomando-se dados de 2006, funciona assim: o governo tem meta de superávit de 4,25% do PIB e reservou 0,14% do PIB para o PPI. Se gastar tudo do PPI e cumprir o superávit à risca, sem exagerar na dose, faria este ano, na prática, um arrocho de 4,11% do PIB.



O relaxamento do superávit nos próximos anos é visto como possível por dois economistas especialistas em política fiscal que pertencem a linhas distintas de pensamento. Um é ligado à corrente “desenvolvimentista”, que acha que o “mercado” move-se pela gula e não tem motivo técnico para esfolar o Estado com juro abusivo. Outro identifica-se com o “mercado” e vê razões técnicas (nível de gastos do governo) para o juro alto.



Para o “desenvolvimentista” Francisco Lopreato, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), depois de anos de superávit, o arrocho finalmente produzirá resultados e poderá ser suavizado. “Qual é o objetivo do superávit? Pagar uma parcela dos juros, para a relação dívida/PIB não explodir. Portanto, se ela cair, pode relaxar o superávit.”



Mais próximo do “mercado”, Fábio Kanczuk, da Universidade de São Paulo (USP), concorda que o arrocho está prestes a cumprir sua missão e aposta na confirmação das condições previstas pelo PT – queda do juros, aceleração do crescimento e recuo da relação dívida/PIB. “Por incrível que pareça, apesar de todos os ‘ses' [condicionantes], há uma probabilidade muito grande de acontecer. E, se a dívida cai, é natural não precisar desse superávit primário tão alto.”



Lentidão atual do PPI



Atualmente, o governo já pode descontar o PPI do superávit para aliviar a dose do arrocho, mas não o faz (leia outras três matérias da Carta Maior sobre o tema: Alternativas de desenvolvimento, PPP e PPI continuam patinando ; Reprogramação de gastos desmascara manobra de arrocho e Plano Piloto do FMI não afrouxa superávit “internalizado” ).



Dos R$ 4 bilhões que há para o programa este ano, só R$ 1,3 bilhão foi desembolsado até agosto. Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, repartição do ministério da Fazenda que gerencia o PPI, a idéia é atingir R$ 3 bilhões até dezembro. Só não está claro se gastos em outras áreas vão ser cortados, para compensar o desconto do PPI e, assim, garantir superávit de 4,25%.



“Se for necessário, nós vamos usar [o PPI para abater do superávit], porque a lei permite. Nós temos o objetivo de cumprir o PPI, que é investimento, e este ano o governo está contribuindo com o aumento do investimento”, diz o ministro Guido Mantega.



Apesar da indefinição, o governo atual sinaliza que quer reforçar o PPI a partir do ano que vem, caso reeleito. A proposta de orçamento que enviou ao Congresso aumenta o PPI para R$ 4,6 bilhões, ou 0,20% do PIB. “Podemos lançar mão do abatimento do PPI do superávit, se a parte fiscal estiver folgada no ano que vem”, diz Nelson Barbosa.