Brasileiros falam da Copa do Mundo dos Sem-Teto

Na Copa do Mundo dos Sem-Teto, na África do Sul, o Brasil ficou em 16° lugar. A decepção é parecida com a da outra Copa, mas as condições foram outras: “A gente pensava que ia ser hotel, mas colocaram a gente numa escola, dormindo no chão”, conta o goleir

Pilar, ou Tula Pilar Ferreira, tem 35 anos. Mas brinca, dizendo: “tenho na mente 29″. Ela nasceu em Leopoldina, Minas Gerais. Já foi empregada doméstica, babá e hoje é vendedora da revista Ocas” (Organização Civil de Ação Social), um projeto de reinserção social de pessoas em situação de rua. Ela foi a única mulher brasileira a participar da Homeless World Cup – a Copa do Mundo dos Sem-Teto -, realizada na África do Sul, país que será sede da Copa de 2010. “Uma experiência muito rica e agradeço muito a Deus pela oportunidade que tive”, conta.


 



O torneio de futebol, que está na 4.ª edição, reuniu 48 países de todo o planeta. Moradores de rua, ex-detentos, ex-drogados; todos excluídos de alguma maneira da sociedade em que vivem. Mas o que mais emocionou Pilar foi poder entrar em contato com um povo tão próximo dela, seja pelas questões culturais ou pela situação econômica difícil. “Essa foi a primeira oportunidade de ir no meu berço de origem. Porque afinal de contas eu sou de descendência africana fortíssima, né?”, diz.


 


Como Pilar, Ivo Fernandes dos Santos, de 40 anos, também veio de Minas. Ele explica que faz de tudo para ganhar um dinheirinho: “Eu trabalho com pintura, montagem de palco, já vendi coisa de camelô…” Ivo foi o goleiro da seleção brasileira na Copa do Mundo dos Sem-Teto. Nosso desempenho, assim como na seleção de Parreira nesse ano, também não foi dos melhores: 16.º lugar. Mas Ivo se justifica: “Tinha seleção que não tinha nada a ver com o pessoal de albergue, era tudo jogador de time, de profissional”, acusando em seguida os dois finalistas: Rússia e Cazaquistão. A taça ficou com os russos.


 


Mãe de três filhas, “meus filhinhos lindos”, Pilar conta que a língua não foi uma barreira grande para a comunicação. “Eu conversei muito com as pessoas lá, apesar que meu inglês é mais ou menos”, confessa. Já Ivo conversou mais com os argentinos e italianos: “Na Argentina, tinha dois brasileiros. Na Itália, tinha três”.


 


Os dois reconhecem que as acomodações não foram boas. Pilar reclama que, no último dia, era a única mulher entre tantos homens. Enquanto eram os brasileiros, segundo ela, tudo bem, “porque a gente é como irmão”. Mas quando os homens eram de outro país… “os caras ficavam me olhando assim, sabe, eu falei… ai meu Deus, será que eles estão olhando e pensando 'se eu pudesse, eu agarrava essa mulher?'”. Pelo menos ela gostou das refeições. Não experimentou nada exótico, mas aproveitou o “franguinho com arroz” do último dia.


 


Ivo conta com mais detalhes como era o alojamento: “A gente pensava que ia ser hotel, mas colocaram a gente numa escola, dormindo no chão”. Segundo ele, havia um único banheiro para as 48 seleções. E não tinha condução para levar do alojamento até o local dos jogos; era preciso ir a pé. A distância? “Era mais ou menos do Brás até a praça Sé”.


 


Apesar dos problemas, ambos ficaram muito contentes com a viagem. “Fomos numa montanha que tinha castelos e tal”, foi a lembrança de Ivo. Pilar já lembrou de uma danceteria que conheceram: “Não era um lugar muito fashion, mas nós somos excluídos, então a gente se entendeu com as pessoas”. Eles estiveram também numa praia da Cidade do Cabo, onde ficavam as pessoas “chiques”. E perceberam que mesmo em outro país, em outro continente, do lado de lá do Atlântico, eles também estavam excluídos.


 


O goleiro do Brasil achou que os jogos eram puxados. “A gente jogou umas três partidas por dia. Descansava duas horas entre uma e outra”, explica. Por esse motivo, não permitiram que Pilar jogasse entre os homens. Ela atuou apenas em uma partida, com dois times mistos que continham mulheres dos vários países. Ela reclamou. “Se der pra me encaixar (em outra Copa), (eu vou) com certeza, mas aí eu quero jogar mais”, sentencia.


 


Um porém. Pilar não tinha medo de avião. Para ela, já era uma coisa familiar. Ela já tinha voado outras vezes. Foi empregada doméstica no Rio de Janeiro, e durante um tempo foi babá. Os patrões tinham um jatinho particular. “Eu viajava muito com eles. Já fui a Buenos Aires, a Salvador. Quando não no jatinho do meu patrão, a gente ia num avião convencional mesmo”, lembra. Com outra patroa, ela já tinha ido para Belo Horizonte. “Eu acho que andar de avião é como andar de ônibus, com a diferença que você ta lá em cima. Eu acho emocionante quando baixa, e quando ele tá subindo. Aquilo ali é que mexe com o meu emocional”, conclui.


 


Fonte: Terra Magazine