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O Brasil no espaço, um programa estratégico

Nenhum país que está na vanguarda da pesquisa científica e tecnológica mundial abriu mão de implementar, com recursos próprios ou em parceria, um programa espacial completo, com satélites e cargas úteis, veículos lançadores e plataformas de lançamento. O

Por Sergio Machado Rezende*

 A decisão de aqui desenvolvê-lo foi tomada há 30 anos e se consolidou ao longo desse tempo, no qual o país formou robusta comunidade científica e tecnológica, hoje com mais de 60 mil doutores, os quais contribuem para realizações fundamentais, a exemplo da auto-suficiência na produção de petróleo.

A manutenção de um programa espacial amplo durante décadas requer ações estratégicas de sucessivos governos. Elas foram aprofundadas no governo Lula a partir da centralidade que a ciência, a tecnologia e a inovação passaram a ter como instrumentos de desenvolvimento e de soberania. O orçamento do Pnae (Programa Nacional de Atividades Espaciais), reduzido a R$ 56 milhões em 2002, tem crescido substancialmente, alcançando R$ 220 milhões em 2005. Os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e dos fundos setoriais atingiram, em 2005, o valor de R$ 828 milhões (em 2002, eram R$ 358 milhões).

Foram contempladas iniciativas como o Programa do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (Cbers, na sigla em inglês), o mais bem-sucedido acordo de cooperação científica já empreendido pelo país. O programa já lançou dois satélites de sensoriamento remoto (Cbers 1 e 2) e lançará mais três até 2010, fortalecendo a posição do Brasil no mercado internacional de fornecimento de imagens. Os Cbers são essenciais para o programa de monitoramento terrestre, uma poderosa ferramenta para a meteorologia, a previsão de safras e o controle do desmatamento na Amazônia. Por meio dele, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais distribuiu nos últimos dois anos, gratuitamente, cerca de 200 mil imagens de nosso território para usuários brasileiros.

Ainda neste ano, a Agência Espacial Brasileira deverá iniciar a construção do Centro Espacial de Alcântara (CEA), no Maranhão, integrando-o ao mercado mundial de lançamentos espaciais comerciais. Já existe acordo para lançamentos conjuntos com a Ucrânia e entendimentos com outros países parceiros. Em decorrência da posição privilegiada do CEA em relação à linha do Equador, há uma economia de 20% a 30% na queima de combustível pelos foguetes lançadores até o ponto de órbita dos satélites. O novo VLS-1, lançador brasileiro, está em construção, e está em planejamento o primeiro satélite nacional geoestacionário, fundamental para as telecomunicações em um país com as dimensões continentais do Brasil.
A missão do tenente-coronel Marcos Cesar Pontes, o primeiro astronauta brasileiro, na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) é, neste momento, a face mais visível do Pnae, que delineia ações para o período de 2005 a 2014. Ela consta do item "Missões Científicas e Tecnológicas" do programa, que guarda estreita relação com a participação do Brasil na ISS, planejada desde 1997.

Em conjunto, 16 países trabalham na construção da estação espacial, que orbita a 360 quilômetros da Terra, contribuindo com recursos humanos, financeiros e materiais. A ser concluída em 2010, ela será um laboratório de pesquisa permanente, possibilitando estudos em baixa gravidade manipulados diretamente pelos astronautas e envolvendo áreas da fronteira científica, como nanotecnologia, biotecnologia e produção de medicamentos. Os primeiros experimentos selecionados por cientistas brasileiros para testes na estação espacial foram executados com sucesso pelo astronauta Pontes.

Nos últimos dias, surgiram algumas críticas à oportunidade da viagem do primeiro astronauta brasileiro. Alega-se que o custo é alto, e baixo o retorno para o país. Os dois argumentos não se sustentam. O investimento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) na missão espacial é de aproximadamente R$ 21 milhões, o que representa menos de 1% do orçamento do MCT para 2006. Não há comprometimento de recursos para outras áreas. Em fevereiro passado, por exemplo, o ministério publicou 47 editais para seleção de projetos de pesquisa em todas as áreas do conhecimento, no valor total de R$ 745 milhões. Por outro lado, são muitos os benefícios da viagem de Pontes.

 O Brasil agora tem um astronauta, que ajudará a formar novos astronautas e a planejar as próximas experiências em microgravidade projetadas por cientistas brasileiros. E, também muito importante, ela servirá à popularização da ciência e do programa espacial e à atração de jovens talentos para a pesquisa científica, a engenharia e a astronáutica. Como há cem anos fez Santos Dumont, ao voar com o 14-Bis nos céus da França, marcando o pioneirismo dos brasileiros nos céus. A ele a missão do tenente-coronel Pontes, denominada Missão Centenário, é dedicada. Seus resultados, temos a convicção, farão avançar o programa espacial, estratégico para o futuro do país.

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 *Físico, doutor em física pelo MIT (EUA), professor titular licenciado da Universidade Federal de Pernambuco, é o ministro da Ciência e Tecnologia. Foi presidente da Finep (Financiadora Nacional de Estudos e Projetos) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco.

Fonte: jornal Folha de S. Paulo