Lula sai como favorito na votação de 29 de outubro

Por Bernardo Joffily
O segundo turno costuma ser descrito pelos analistas como ''uma outra eleição''. Até este domingo, o candidato do bloco PDSB-PFL, Geraldo Alckmin, não cessava de recordá-lo. Agora, embalado pela linha ascendente dos seus votos no d

É certo que faltaram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva os 1.226.050 votos — 1,06% do eleitorado, ou 1,39% dos votos válidos — para se eleger no primeiro turno (no momento em que este artigo é escrito, falta apurar ainda alguns votos residuais na RegiãoNorte). Mas a sua vantagem sobre o tucano neste domingo foi de 6.693.847 votos.



''Vamos participar dos debates''



Um dos poucos consensos nas análises eleitorais em curso é sobre os motivos dessa defasagem que provocou o segundo turno: o caso do Dossiê Serra, com toda a exploração que o bloco conservador-midiático fez dele; e a ausência de Lula no debate da Rede Globo na quinta-feira passada.



No segundo turno, comenta-se que o presidente irá sim aos debates, já que não haverá mais três contra a um no ringue. ''Agora vamos participar de muitos debates, porque não serão debates desiguais, de três candidatos contra um'', disse ele na manhã desta segunda-feira (2).



Agora será entre Lula e Alckmin. E o presidente se considera preparado sob todos os aspectos para sair-se vencedor nas confrontações.



Vale comparar os números do domingo com os da vitória de Lula em 2002. No primeiro turno, ele teve 39.436.099 dos votos, agora foram 46.662.015. Chegou a 46,4% dos votos válidos, agora foram 48,6%. Ficou devendo 3.020.909 votos para vencer no primeiro turno, desta vez foram 1.226.050.



O papel dos que ficaram fora



Tal como há quatro anos, são de correntes à esquerda os candidatos que ficaram de fora: em 2002, Ciro Gomes, então no PPS (que mais tarde ''tucanou'', mas esta é uma outra história), e Anthony Garotinho, na época no PSB; agora, Heloísa Helena, do PSOL-PSTU-PCB, e Cristovam Buarque, do PDT.



Do ponto de vista político-partidário, cabe em tese a estas forças o papel de fiel da balança. E seus dirigentes, suas bases e seus eleitores têm quatro semanas para refletir sobre o lado em que ficarão, já que agora a frase de Renato Rabelo — ''Não existe terceira margem do rio'' — deixou de ser uma constatação política para se tornar uma certeza matemática.



A sociologia do segundo turno



Porém para se entender este segundo turno e suas perspectivas é preciso sair da esfera político-partidária para a político-social: enxergar as classes sociais, os conflitos entre elas e a sociologia do voto nesta campanha.



Tornou-se um lugar-comum constatar que os pobres votaram em Lula e — embora alguns órgãos da mídia tenham pruridos em dizê-lo com todas as letras — que os ricos votaram em Alckmin. Estas opções de classe, já muito nítidas nas urnas de domingo passado, tendem a se cristalizar ainda mais no 29 de outubro.



Forma-se então um cenário que é clássico nas confrontações políticas, eleitorais ou não, em incontáveis episódios dos dois últimos séculos: a disputa pelas camadas intermediárias.



Estas camadas, que a sociologia vulgar chama ''classe média'', comportam-se também em política como uma área imprensada entre aos pólos opostos do capital e do trabalho, ora pendendo para um lado, ora para outro, ora, ainda, buscando se afirmar como ''tervceira alternativa''. Não por acaso, foi daí que saiu o grosso das votações em heloísa e Cristóvam.



Dois tipos de camadas sociais intermediárias



Olhando mais de perto, é interessante discernir nas camadas intermediárias do Brasil atual duas áreas distintas.



Há os segmentos intermediários tradicionais, formados basicamente pela pequena-burguesia, o micro-empresariado do comércio e serviços, da indústria e também da produção agrícola. Estes, pela condição de proprietários, tendem ao conservadorismo  — e no passado formaram o reduto de fenômenos como o lacerdismo, o janismo e o malufismo. Possuem porém contradições com a oligarquia financeira dominante e podem se voltar contra esta.



A outra área, hoje bem mais numerosa, e em crescimento, é a das camadas intermediárias modernas. Estas são maciçamente assalariadas (ou sofrem as formas flexíveis e disfarçadas de salariato que se disseminaram ultimamente sob os rótulos de terceirização, prestação de serviços, contratos como pessoa jurídica, etc.), no funcionalismo, no ensino, na saúde e entre aqueles que o poeta chamou de profissionais liberais que não se liberaram jamais. Por sua condição objetiva, tendem para o campo do trabalho; mas subjetivamente nem sempre se apercebem disso.



Uma grande parte da sociologia deste segundo turno presidencial passa pela disputa das camadas intermediárias. Quem tiver condições, proposições e posturas que logrem atraí-las, leva a taça e a Presidência.