Triunfo conservador no Brasil seria duro golpe na Bolívia

Não é difícil perceber que um triunfo conservador no Brasil seria um duro golpe ao processo de mudança na Bolívia, inconcebível fora do contexto latino-americano e que, apesar do vai-e-vem e das contradições, avança em uma direção de maior autonomia fr

Desde 1º de maio, quando o exército boliviano ocupou campos petroleiros, incluindo os da Petrobras, as relações boliviano-brasileiras se impregnaram de cor de petróleo e odor de gás.


 


Uma cúpula posterior à nacionalização, articulada por Hugo Chávez, contribuiu para reduzir a tensão bilateral, mas a direita brasileira começou a atacar Lula por sua fraqueza ante à “agressão boliviana” – o que, além disso, segundo eles, abria as portas para o debilitamento da influência brasileira e o incremento proporcional da venezuelana. Para ninguém passou desapercebida o escritório da PDVSA em Sopocachi e o incremento da cooperação com o país caribenho. Alguns até pediram uma invasão.


 


No entanto, em seu círculo íntimo, o presidente Evo Morales sempre manteve boa relação com Lula, a quem segue considerando como “um irmão maior” que – como ele – caminhou do sindicato para o palácio.


 


O problema na Bolívia é que a Petrobras se comportou sempre como as outras transnacionais, e isso explica porque Morales e sua equipe que cuidou da nacionalização elegeram o campo de San Alberto como cenário da medida. Esse megacampo, controlado pela gigante brasileira, foi classificado nos anos 90 como um ‘campo novo’, para o qual pagava ‘regalías’ de 18%. No entanto, várias investigações têm demonstrado que se trata de um ‘campo velho’, já descoberto pela estatal YPFB, para o qual devia pagar ‘regalías’ de 50%.


 


Hoje, frente à firmeza da Petrobras nas negociações pelo aumento dos preços de venda do gás ao Brasil e a assinatura de novos contratos de operação no país, o governo boliviano apostou em uma “saída política” de presidente a presidente. Foi em cumprimento ao pacto de não tomar medidas que prejudicassem Lula na reta final da campanha que foi despedido o ministro Andrés Soliz Rada logo após anunciar a estatização das refinarias de propriedade da Petrobras.


 


Nos círculos oficiais existe a convicção de que a possibilidade de que as negociações entre Brasil e Bolívia tenham sucesso depende em grande medida da reeleição do presidente Lula. Frente ao horizonte pró-norte-americano de Geraldo Alckmin, o atual governo parece mais alentador, ainda que sua política interna tenha decepcionado diversos militantes e que a figura do ex-operário paulista tenha perdido o brilho de alguém que liderava um projeto de mudança no nível latino-americano, posição hoje ocupada em parte por Hugo Chávez.


 


Não é difícil perceber que um triunfo conservador no Brasil seria um duro golpe ao processo de mudança na Bolívia, inconcebível fora do contexto latino-americano e que, apesar do vai-e-vem e das contradições, avança em uma direção de maior autonomia frente aos centros de poder mundial.


 



Pablo Stefanoni é jornalista boliviano e pesquisador do CLACSO (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais). Na Bolívia, é correspondente do jornal argentino Página 12.