Igreja censura cordel sobre o papa

Publicação que usou Bento XVI como mote para poesias, custeada pela Prefeitura de Olinda, foi retirada de circulação a pedido da Igreja Católica.

Um livro de poesias populares que usou o papa Bento XVI como mote para os versos foi censurado e retirado de circulação. A polêmica começou em junho, quando um grupo de 25 poetas lançou o livreto Petrus Apostolus Princeps Apostolorum – Um Mote Santo e Algumas Sacras Glosas, da editora Bagaço, e custeado pela Secretaria de Patrimônio, Ciência, Cultura e Turismo de Olinda. Integrantes da Igreja Católica não gostaram e externaram a opinião à prefeita Luciana Santos, que decidiu suspender a distribuição da publicação.


 


A idéia de escrever as poesias surgiu em rodas de boemia que os autores costumam freqüentar. Entre os que assinam o livro, estão Jessier Quirino, Xico Bizerra, Manoel Filó, Sebastião Dias e Diomedes Mariano. “Foi Zelito Nunes quem deu a glosa. A partir daí, cada um escreveu sua poesia. Resolvemos então publicar um livro”, explica Luiz Berto, um dos organizadores. A glosa em questão foi “Bento foi eleito papa sem dar papa pra ninguém”. Cada texto termina com essa rima. Alguns utilizam palavras de baixo calão.


 


“Em momento algum tivemos interesse de ofender a Igreja Católica. Não esculhambamos o papa, apenas usamos linguagem irreverente e galhofeira”, garante Luiz Berto. “A Igreja deveria se preocupar com outras questões mais importantes do que reprimir poetas populares. A reação foi extemporânea”, complementa o poeta.


 


Foram publicados 500 exemplares. Metade foi entregue aos autores. O restante, que teria distribuição gratuita, saiu de circulação. “Vamos publicar a segunda edição, desta vez patrocinada pela Igreja Sertaneja”, diz Luiz Berto, referindo-se à confraria criada por ele e que o tem como chefe maior, o papa Berto I. O arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, informou que não irá comentar o assunto.


 


Em nota, a Secretaria de Comunicação de Olinda diz que “o apoio dado referia-se a um projeto de poesia popular, sem que nos fosse informado previamente que o conteúdo do referido livreto tratava de tema com conotação religiosa que pudesse de alguma forma desrespeitar qualquer crença religiosa”. A nota informa também que “a censura prévia e o cerceamento à liberdade de expressão não são práticas correntes na administração pública olindense. Vale ressaltar, no entanto, que se tal conteúdo fosse do conhecimento prévio da prefeitura o apoio não teria sido concedido. A prefeitura esclarece ainda que respeita a liberdade religiosa.”


 


O pároco de Casa Forte, padre Edvaldo Gomes, acha que os poetas não tiveram intenção de achincalhar o papa Bento XVI. “A linguagem dos cordelistas é livre e às vezes utiliza palavras vulgares e irreverentes. Conheço alguns dos poetas que assinam o livro e sei que não quiseram ofender o papa. Talvez não tenham sido muito felizes por escolher uma figura importante para os católicos”, comentou.


 


Para Inácio Strieder, professor de filosofia da religião da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em teologia, essa é uma boa oportunidade para a Igreja Católica do Recife refletir sobre a postura que vem adotando há mais de 20 anos. “É uma ótima ocasião para a Igreja do Recife avaliar como vem se portando diante dos fiéis. Em vez de conversar com os poetas, a Igreja os reprime, o que provoca novos cordéis. Não há mais diálogo e cada vez mais ela se distancia dos fiéis”, observa Strieder, considerando que alguns textos usaram palavras fortes e desrespeitosas.


 


Trechos do livro


 


Ele disse a todo mundo
Que não vai ter paciência
Com quem mexer na ciência
Fazendo o que não convém
E ainda vai mais além
Com quem não olha seu mapa
Bento foi eleito Papa
Sem dar papa pra ninguém.
(Zelito Nunes)


 


Escritor e pianista
Fala 10 línguas com arte
Se diz fã de Mozart
E detesta comunista
Celibato tá na lista
Ordenar mulher causa desdém
Aborto e camisinha não convêm
Se insistir ele dá tapa
Bento foi eleito Papa
Sem dar papa pra ninguém.
(Herbet Lucena)


 


O Papa é contra o “rock”
Conta o “pop” quem diria
Na sua ortodoxia
O que virá a reboque?
Povo cristão que se toque
Tratou Boff com desdém
Quem à direita convém
Do inferno não escapa
Bento foi eleito Papa
Sem dar papa pra ninguém.
(Allan Sales)


 


Com mais de setenta anos
Ninguém fez o que ele faz:
Busca incessante da paz
Com judeus e muçulmanos.
Procura afastar os danos
Que a vida moderna tem.
Com alegria e sem desdém
Ele é capa e contracapa
Bento foi eleito Papa
Sem dar papa pra ninguém.
(Prof. Guadêncio Lopes)


 


Do Jornal do Commercio – Recife – Publicado em 21.09.2006