Le Monde Diplomatique: Os poloneses são mesmo de direita?

Eleita há um ano, com base em slogans que valorizavam a tradição igualitária do país, a coalizão de direita logo mostrou seu viés pró-mercado e autoritário. Seu desgaste se aprofunda, ainda que não tenha surgido uma alternativa viável. Por Dariusz Zale

Pode-se concluir, com base no resultado das últimas eleições polonesas, que a sociedade deu uma guinada radical à direita? A direita governamental alardeia esta hipótese sem cessar… como se tivesse a necessidade de provar isso a si mesma.


 


Há um ano, nas eleições legislativas de 25 de setembro, os partidos que constituem a atual coalizão governamental – Lei e Justiça (Prawo i Sprawiedliwosc, PiS), Autodefesa (Sammobrona) e Liga das Famílias Polonesas (Liga Polskich Rodzin, LPR) – totalizaram 45% dos sufrágios. É muito, mas a taxa de participação – 40% apenas, a mais baixa em uma eleição legislativa desde 1989 – convida a relativizar tal sucesso. O próprio Lech Kaczynski foi eleito presidente da República um mês depois, em 23 de outubro, com apenas 54% de votos… e mais de 50% de abstenção!


 


Força política dominante, o PiS é uma nova moedura das alianças entre diversas correntes da direita cristã nacional, apoiadas pelo Sindicato Solidariedade (Solidarnosc). À sua frente encontra-se Jaroslaw Kaczynski, irmão gêmeo do presidente da República e primeiro ministro desde meados de julho de 2006. Seus aliados são o Samoobrona, o partido populista de Andrzej Lepper, antigo líder dos camponeses revoltados, que oscila da direita para a esquerda, assim como a nacionalista e clerical LPR.


 


Desde a queda do “socialismo real” em 1989, as cores dos governos que governam a Polônia alternaram-se de acordo com o princípio do pêndulo: uma vez à esquerda, outra à direita. Mas é necessário saber que o rótulo de esquerda abrangia, de acordo com a nomenclatura dominante no país, o campo pós-comunista e o campo pós-Solidariedade [1],de direita.


 


Cada um desses campos ganhou alternadamente as eleições multiplicando promessas sociais; e o vencido era eliminado sem piedade. Nas últimas eleições, a Aliança da Esquerda Democrática (SLD), até então no governo, perdeu dois terços do eleitorado. Na eleição anterior, a Ação Eleitoral Solidariedade (AWS) e a União da Liberdade (UW), os dois pilares do governo de saída, foram eliminadas da Câmara dos Deputados (Dieta), o que constituiu um acontecimento de escala européia!


 


Seria errado, portanto, exagerar a vitória obtida há um ano pela direita reunida em redor do PiS. Este gerou um bloco governamental que colocou em ação um programa econômico liberal, propagando ao mesmo tempo slogans sociais, crítica à visão da unificação da Europa predominante em Bruxelas [2] e sobretudo brincando como sentimento de insegurança para reforçar o autoritarismo do Estado. Longe de representar uma especificidade polonesa, a política do novo poder se inscreve numa tendência bastante geral na Europa.


 


Vitória graças a demagogia e desgaste dos ex-comunistas


 


Freqüentemente se esquece, no Ocidente, que o PiS levou vantagem sobre o concorrente — a Plataforma Cívica (PO), que afirmava abertamente seu caráter liberal — graças ao mote “Polônia solidária” contra “Polônia liberal”. A primeira, de acordo com o PiS, é a Polônia dos perdedores da transformação econômica, aqueles que estão contrariados com o nível de corrupção e a insegurança (incluindo social). A segunda, sempre de acordo com o PiS, é o país dos que obtiveram sucesso, mas que traíram os valores patrióticos e praticaram atos dissolutos.


 


Dentro desse espírito, o PiS, entre os seus slogans, pôs adiante a construção de uma Quarta República liberada do peso das más experiências da atual, Terceira, – ainda que a grande maioria dos líderes deste partido, incluindo os irmãos Kaczynski, faça parte das elites que têm ocupado as mesmas poltronas de ministros…


 


A vingança da direita se explica também pela falência total do SLD porque a formação pós-comunista apoiou-se, durante anos, em corrupção e oportunismo. Foi ela, por exemplo, que enviou os soldados poloneses ao Iraque. Foi também o governo do SLD que empreendeu uma vasta reforma no código de trabalho em 2002, a fim de limitar os direitos dos trabalhadores – certamente em nome da luta contra o desemprego recorde na Polônia (cuja taxa está próxima de 20%).


 


Paradoxalmente, a chegada do PiS e de seus aliados ao governo traduz o esgotamento do modelo atual de transformação capitalista na Polônia. Pela primeira vez, há um governo reacionário que coloca em questão a orientação econômica simbolizada pelo guru dos meios liberais, o economista Leszek Balcerowicz, que dirigiu a transformação econômica como ministro e presidente do Banco Nacional. Apesar de gestos simbólicos do PiS, como a constituição de uma comissão parlamentar sobre os bancos privatizados, não se pode falar em ruptura – não se trata de uma mudança em relação às orientações colocadas em prática anteriormente, em matéria de política tributária ou industrial.


 


Mas, dessa vez, a direita vitoriosa não se satisfez em colocar os seus homens nos conselhos fiscais das empresas estatais. Ela luta abertamente pela hegemonia cultural. Pretente promover expurgos nos meios de comunicação públicos, à frente dos quais foram colocadas pessoas da direita, freqüentemente radicais. Daí também parte a nomeação de Roman Giertych, líder do LPR, como ministro da Educação. Na mesma ótica, o Instituto da Memória Nacional, responsável pelas investigações sobre os crimes do comunismo, dedica-se a adaptar a história às necessidades dos governantes, tentando apagar o papel da esquerda.


 


Moralismo, repressão e desgaste progressivo


 


Nesse empreendimento ideológico, o governo pode igualmente contar com o apoio da nacionalista Radio Maryja, dirigida pelos integristas “redentoristas” — frente aos quais mesmo o Vaticano parece impotente —, e do maior jornal polonês, Fakt (Fato), um tablóide do grupo alemão Axel Springer. Em longo prazo, os irmãos Kaczynski parecem fixar-se em consolidar relações políticas inspirados nas que prevalecem nos Estados Unidos: uma direita populista e liberal em matéria econômica contra um campo liberal em matéria do comportamento (e, certamente, econômico).


 


O PiS, como o próprio Lech Kaczynski na eleição presidencial, obteve seu apoio mais importante entre os eleitores de um nível de instrução elementar ou médio. O apoio do Solidariedade permitiu-lhes reunir as vozes de uma boa parte dos trabalhadores. Apresentando-se como os campeões da “Polônia Solidária”, iludiram alguns políticos social-democratas conhecidos, a exemplo de Adam Gierek, deputado europeu e filho de Edward Gierek, antigo número um da Polônia comunista.


 


Mas, em um ano, o clima já começou a se alterar. Em abril de 2006, de acordo com uma sondagem do Centro de Investigações sobre a Opinião Empresarial (CBOS), 66% dos poloneses interrogados afirmaram que o PiS vangloria-se de sucesso que não obteve; e 56% de que o governo atual não realiza as promessas feitas durante a campanha eleitoral.


 


Esta degradação também tem acentuado a repressão, a qual se tornou o símbolo do poder. Os estudantes, que organizam protestos contra o ministro da Educação, são ameaçados de perseguição nos tribunais. Aos médicos, em greve, acena-se com a incorporação forçada ao exército. Quando os mineiros preparam-se para marchar sobre Varsóvia, anuncia-se uma intervenção vigorosa da polícia, etc… A multiplicação das perseguições contra os sindicalistas nas empresas provocou o nascimento de um Comitê de Apoio e Defesa dos Trabalhadores Reprimidos (KPIORP). Mesmo os sindicalistas do Solidariedade reclamam da ausência de diálogo com um governo eleito sob o sinal do “contrato social”.


 


Mestre da repressão, o governo utiliza também, mais do que seus antecessores, manobras populistas de relações públicas. Assim, o ex-primeiro ministro Kazimierz Marcinkiewicz convida de boa vontade os jornalistas para falar com eles numa linguagem popular, distante do estilo altivo dos seus antecessores social-democratas. Não é o caso do primeiro ministro Jaroslaw Kaczynski, que o substituiu com objetivo principal de recolocar ordem na coalizão. Este último propõe-se conservar – como seu irmão – a atmosfera de “seriedade” que convém, de acordo com eles, a seus cargos. De modo que, como no tempo do “socialismo real”, a sociedade defende-se multiplicando as piadas, zombando dos gêmeos à frente do Estado…


 


Realmente, o campo governamental tira a maior parte de sua força da fraqueza da oposição. A Plataforma Cívica, que pretende tomar o poder, compromete as suas possibilidades apresentando um fundamentalismo de mercado. A social-democracia pós-comunista procura seu lugar na cena política travestindo-se num social-liberalismo à Tony Blair que, ao contrário, a isola da sua base social. A construção de um bloco à esquerda da social-democracia ainda não tem tomado corpo, mesmo que as idéias dos seus artífices desempenhem um papel importante. Elas vinculam reivindicações sociais e modernização dos costumes, valores aos quais o governo e a oposição liberal tentam se opor.


 


Os irmãos Kaczynski orgulham-se de realizar uma missão de transformação na Polônia. E haviam certamente obtido a confiança de uma parte da sociedade polonesa, igualitária e convencida que a democracia é a melhor forma de poder. Mas o balanço de seu governo dissipou muitas ilusões. Na infância, os dois irmãos desempenharam os principais papéis num filme para crianças intitulado “A história dos dois ladrões da lua”… As más línguas dizem que a lua para eles não era suficiente: tomaram também a Polônia.


 



[1] Referência à tradição política ligada ao sindicato Solidariedade, que apareceu como crítica aos governos burocráticos do “socialismo real” mas, ao chegar ao poder, praticou um neoliberalismo autoritário.


 


[2] Referência à cidade-sede da Comissão Européia, onde está instalada uma tecnocracia vista como pró-neoliberal.