Europa faz cruzada moral contra moda e padrões americanos

Modelos esqueléticas? Crianças viciadas alimentos industrializados e jogos de computador? Estudantes ultracompetitivos? Pode ser um pouco tarde, mas vários movimentos na Europa estão pondo em xeque esses modismos culturais, impostos sobretudo pelos Estado

É o caso da Espanha, mais propriamente de Madri, onde um desfile de alta-costura proibiu a participação de modelos excessivamente magras. A proibição, absolutamente inédita, provocou reações de ultraje em agências de modelos e levantou a perspectiva de restrições similares em outros eventos. Na Itália, a prefeita de Milão, Letizia Moratti, já garantiu a um jornal italiano que vai procurar impor proibição semelhante na semana de moda de sua cidade, a não ser que seja encontrada uma solução para as modelos de aparência “doentia”.


 


A rejeição de profissionais abaixo do peso se justifica. São inúmeros – e coerentes – os protestos de que garotas e mulheres jovens tentam copiar a aparência esquelética das modelos e, em conseqüência, desenvolvem desordens alimentares. Os organizadores dos desfiles disseram que querem promover uma imagem de beleza e saúde – e não o visual excessivamente magro, ou “heroin chic” (vinculado à imagem de consumidores de heroína).


 


O levante na Inglaterra é mais amplo. As crianças britânicas estão sendo envenenadas por uma “cultura inútil”, advertiu um influente grupo de especialistas nesta terça-feira (12/9). Em carta aberta ao jornal Daily Telegraph, 110 professores, psicólogos e autores de livros infantis – incluindo o consagrado escritor Philip Pullman e a famosa especialista Penelope Leach – pediram ao governo que tome providências imediatas para impedir a extinção completa da infância. Forçadas a “agir e a se vestir como miniadultos”, as crianças estão ficando cada vez mais deprimidas e apresentando cada vez mais problemas comportamentais, afirmaram eles.


 


“Como os cérebros das crianças ainda estão em desenvolvimento, elas não conseguem se adaptar como os adultos aos efeitos das mudanças culturais e tecnológicas cada vez mais rápidas”, diz a carta. “Elas precisam do que os seres humanos em desenvolvimento sempre precisaram, incluindo comida de verdade (e não “lixo” industrializado); brincadeiras de verdade (e não o entretenimento sedentário, com base numa tela); experiências diretas com o mundo em que vivem; e interação regular com adultos da vida real que sejam importantes em suas vidas”.


 


Estarrecedor
A carta foi divulgada por Sue Palmer, ex-diretora de escola e autora de um livro chamado Toxic Childhood (Infância Tóxica), e Richard House, professor do Centro de Pesquisa para Educação Terapêutica da Universidade de Roehampton, em Londres. “O desenvolvimento das crianças está sendo drasticamente afetado pelo tipo de mundo em que elas estão crescendo”, disse Sue ao Daily Telegraph. “É estarrecedor.”


 


“O crescimento físico e psicológico de uma criança não pode ser acelerado. Ele muda no tempo biológico, não a uma velocidade elétrica. A infância não é uma corrida”. Os especialistas condenaram também o sistema educacional britânico, cada vez mais direcionado a alvos específicos. Pediram ao governo que reconheça a necessidade infantil de mais tempo e espaço para se desenvolver, fazendo um apelo para que haja um debate público sobre a forma de educar crianças no século 21.


 


O premiado escritor de livros infanto-juvenis Michael Morpurgo, signatário a carta, disse que a pressão acadêmica e do mercado está acabando com a infância. “Está se infiltrando gradativamente, como um veneno, na cultura”, disse ele à rádio BBC. “Há menos espaço para a leitura, para o sonho, para a música, para o teatro, para a arte e para, simplesmente, brincar”.


 


Reações
O governo britânico ainda não se pronunciou sobre a carta. Na Espanha, porém, a reação diante das restrições na moda são muitas. Cathy Gould, da agência de modelos Elite, de Nova York, disse que a indústria da moda está sendo usada como bode expiatório de doenças como a anorexia e a bulimia.


 


“Acho isso ultrajante. Compreendo que queiram criar esse ambiente de mulheres belas e saudáveis, mas como fica a questão da discriminação contra a modelo e a da liberdade do estilista?”, disse Gould, diretora da Elite América do Norte, acrescentando que a iniciativa vai prejudicar profissionalmente as modelos que têm corpo naturalmente “esbelto como o de uma gazela”.


 


O governo regional de Madri – que patrocina a semana de moda e impôs as restrições – disse que não atribui a anorexia aos estilistas e às modelos. Ponderou, no entanto, que a indústria da moda tem a responsabilidade de difundir imagens de corpos saudáveis. “A moda é um espelho, e muitas adolescentes imitam o que vêem na passarela”, disse a autoridade regional Concha Guerra.


 


Coleções em vez de modelos
Para medir as modelos, a semana de moda de Madri está usando o índice de massa corporal (ICM), baseado no peso e na altura. O evento já rejeitou 30% das mulheres que participaram da semana de moda passada. Médicos estarão a postos nos desfiles, que terão lugar entre 18 e 22 de setembro, para avaliar as modelos. “As restrições podem chocar o mundo da moda num primeiro momento, mas estou certa de que é uma medida importante, no que diz respeito à saúde”, disse Leonor Perez Pita, diretora do evento madrileno, também conhecida como Pasarela Cibeles.


 


Uma porta-voz da Associação de Estilistas de Moda da Espanha, que representa a semana de moda de Madri, disse que o grupo apóia as restrições e que sua preocupação é a qualidade das coleções, não o tamanho das modelos. Ativistas no combate às desordens alimentares disseram que muitos estilistas e agências de modelos da Espanha se opõem à proibição. Eles afirmaram ter dúvidas de que as novas regras serão obedecidas.


 


“Se isso não acontecer, o próximo passo será tentar legislar sobre o assunto, como foi feito com o fumo”, disse Carmen Gonzalez, da Associação espanhola de Defesa da Atenção para com a Anorexia e a Bulimia, que faz campanha em favor das restrições desde a década de 1990.