Perguntas e respostas: Juventude e protagonismo.


O texto a seguir traz algumas reflexões propostas pela Secretária de Políticas Sociais da CUT RS, Regina Abrahão, num diálogo com Mano Oxi, Presidente estadual do Nação Hip-Hop Brasil e da direção nacional da UJS. Regina é monitora da FPE (antiga FEBE

Regina:
– Conversava eu com meu amigo Oxi, do Nação  Hip-Hop sobre agendas de campanha, publicidade, LULA, etc. Logo veio à tona um assunto inesgotável: Afinal, o que nós, “adultos”. queremos dizer quando nos referimos ao trabalho da juventude? Ou melhor, quem é a juventude que queremos atingir?


 


A conversa acontece justamente num momento em que muito se fala que a juventude deve cavar seu próprio espaço, contando, naturalmente, com as ''benesses'' de quem lhe abrir caminhos. E novamente recriamos o mito de que devemos nós, os já estabelecidos, ensinar-lhes o be-a-bá que sofridamente aprendemos. Certo, experiências se transmitem, mas de lado a lado. Troca-se experiências. O aprendizado é bilateral.


 


As vezes não consideramos que de maio de 68 a meados de 2006 tudo mudou. A juventude contestadora de hoje não é mais majoritariamente universitária, branca, de esquerda, politizada e rebelde. Nem estamos na França. No Brasil, saímos da ditadura para uma democracia regida pelo capital. Podemos até não comer, mas podemos falar.  Muito da nossa juventude morreu, foi presa, ficou seqüelada lutando pelo fim da ditadura militar. Cumpriu seu papel de contestação, dizem alguns. Lutou por um mundo melhor, penso eu. Muitos de nós continuamos na luta. Nosso movimento sindical hoje é majoritariamente formado por pessoas da minha geração. E vemos uma imensa parcela da juventude auto-excluída da luta, com uma desilusão social digna da ideologia neoliberal.


 


Neste sentido o aparecimento de um movimento de hip-hop no Brasil traz impacto porque contesta tudo o que a esquerda convencional conhecia. A linguagem é diferente, o método é diferente, a cor é diferente. Afinal, neste país, miséria tem cor, tem idade. A cada 10 pessoas abaixo da linha da pobreza, 8 são negros, 6 são jovens, 6 são mulheres. Naturalmente, os métodos tem que ser outros. O enfoque é outro, o protagonismo mudou.


 


Para quem conhece o sofrido mundo dos autores de ato infracional, a linguagem hip-hop não é estranha. Acorda-se e dorme-se dentro das FASES e FEBEMs do Brasil ouvindo Racionais. E quem lhes escuta as longas letras, e já passou por qualquer uma das milhares de vilas ou favelas, encontra aí incríveis semelhanças. Tudo tem a ver. “Vinte e sete anos contrariando a estatística”, diz mano Brow. Morre-se imensamente mais cedo hoje.


 


Minha geração tornou-se adulta embalada por Caetano, Vandré, Chico. Para amenizar um pouco a realidade, Pink Floyd, baseado, Cio da Terra e Palhoça. Hoje até a droga é outra: Em tempos de pós-modernismos, nada de sonhos e devaneios. As drogas do novo século não se prestam ao devaneio, prestam-se à violência e ao falso poder. Não dão fome, tiram a fome. Não são socializadas, são individuais. A saída, hoje, nos diz a mídia, é individual.


 


Contava eu, finalizando, ter escrito um belo e longo texto sobre juventude, iniciado com “Mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vence. Belchior”.Cacete, quem desta geração, que vive na favela, que não consegue chegar perto do mercado formal de trabalho, que foi expulso das salas de aula pelo frio, pela fome e por uma política educacional arcaica. Quem destes conhece Belchior? ''Deletei'' na hora. A juventude sabe melhor do que eu buscar suas canções.


 


E deixo a pergunta ao mano Oxi: Qual é o meu papel, afinal?


 


Que me ensine quem sabe.


A única certeza que tenho hoje é que a juventude não precisa de ajuda. Só precisa que ninguém atrapalhe.


 


Mano Oxi
– Pode acreditar, Regina!


 


Eu chego aos 29 anos de idade contrariando as estatísticas, e com uma opinião cada vez mais crítica e aguçada sobre os atuais acontecimentos. E não vejo a fita dominada como gostaria, tá ligada ?


 


Eu vejo os horrores da guerra do oriente pela televisão e acompanho atentamente com toda a legitimidade. Afinal, também passei por uma guerra, que aqui no Brasil a mídia teima em reproduzir que é guerra do tráfico. Não vê quem não quer, parceira. Mas não podemos esquecer que quem mostrou pra todo o Brasil o que nóis já sabia há tempos foi um Rapper da cultura hip hop e não um Phd do mundo acadêmico.


 


Nós, jovens sobreviventes das periferias, somos campeões em protagonismo dos piores índices que os principais órgãos do País e do mundo pesquisam, seja a ONU ou seja o IBGE. Vivemos e crescemos num outro planeta, o da fome e da covardia. O planeta onde a justiça literalmente é cega muda e surda para a maior parte das pessoas que o habitam.


 


Um dia, nasce uma consciência, e alguma coisa muda. A gente começa a ver outra saída, fora de tudo o que querem que sejamos. Na real, faz bem prá uns alimentar a cultura do medo, da paranóia, da discriminação. Isto dá lucro.


 


E começamos a entender o tal protagonismo


Deixamos de lado o canela seca, a pistola 09 mm, a doze cano serrado. E passamos a pegar numa arma que é muito mais poderosa: “O LIVRO”. A partir daí passamos a respeitar a ciência e usá-la a favor do povo que sofre com todas as mazelas sociais possíveis. A dúvida que aparece é: será que dá pra mudar essa realidade? Eu acredito que sim! Mas o discurso do mundo intelectual tem que acontecer na prática.


A única coisa que nóis jovens que vem do gueto, que somos cria dos morros e das periferias queremos é que de fato a palavra “PROTAGONISMO JUVENIL” aconteça e que a tão sonhada oportunidade exista mesmo.


 


A oportunidade que não nos deram na infância, queremos agora, com todos os juros possíveis


Historicamente estamos em desvantagem, mas nossas letras de rap estão registrando tudo pra que nada passe despercebido no futuro. LITERATURA MARGINAL E COMTEMPORÂNEA, é desse jeito que queremos protagonizar. A geração do hip hop não quer seguir o exemplo dos malandros mais velhos que invadiam bancos. Queremos é invadir as faculdades, morô? Queremos o que é nosso por direito, queremos cidadania. Somos brasileiros, queremos nosso Brasil de todos, prá todos, queremos paz.



Salve a todos os sofredores deste imenso planeta da fome e me despeço da forma que melhor sei me comunicar com o RAP ! RITIMO E POESIA.


 


Edição: Clomar Porto