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Nelson Breve: Deixem o Lula governar!

Sempre haverá um motivo qualquer para a elite justificar a idéia de que Lula não pode governar. Deixem o povo decidir se Lula e seu governo merecem mais quatro anos de mandato.

Há 30 anos, ele não podia governar porque era um agitador subversivo. O tempo mostrou que ele lutava para que os direitos dos trabalhadores fossem respeitados.

Depois, ele não podia governar porque não era político. O tempo mostrou que a política não se restringe ao mundo dos intelectuais e aristocratas.

Depois, ele não podia governar porque não pertencia a um partido político tradicional. O tempo mostrou que é possível construir um partido a partir de bases sociais populares.

Depois, ele não podia governar porque era muito radical. O tempo mostrou que as aparências enganam.

Depois, ele não podia governar porque era ignorante. O tempo mostrou que todos podem aprender cercando-se de quem sabe.

Depois, ele não podia governar porque os empresários iriam embora do país. O tempo mostrou que a construção de uma nação não depende de uma elite chantagista.

Depois, ele não podia governar porque nunca tinha governado prefeitura ou estado. O tempo mostrou que experiência administrativa é menos importante do que sabedoria política.

Depois, ele não podia governar porque não tinha diploma universitário. O tempo mostrou que não é preciso diploma para identificar os problemas do povo.

Depois, ele não podia governar porque o país quebraria. O tempo mostrou que os problemas crônicos da economia do país não estavam nas opções políticas.

Depois, ele não podia governar porque não conseguiria ampliar suas alianças políticas. O tempo mostrou que a habilidade política torna possível o que é necessário.

Depois, ele não podia governar porque ampliou suas alianças até partidos conservadores e fisiológicos. O tempo mostrou que sem essas alianças ele não teria completado o segundo ano de mandato.

Depois, ele não podia governar porque colocou políticos derrotados demais no governo, abrindo mão dos técnicos. O tempo mostrou que políticos podem administrar como técnicos.

Depois, ele não podia governar porque colocou técnicos demais no lugar dos políticos que pretendem disputar campanhas eleitorais. O tempo vai dizer se técnicos podem dar conta do recado em ano eleitoral.

Depois, ele não podia governar porque seu partido aparelhou o Estado. O tempo mostrou que isso não impediu que o governo fosse fiscalizado.

Depois, ele não podia governar porque loteou o Estado para os partidos aliados. O tempo mostrou que, no atual sistema político-partidário, essa pode ser a única forma de manter a governabilidade.

Depois, ele não podia governar sem manter no governo uma equipe da confiança do mercado financeiro. O tempo mostrou que isso era desnecessário.

Depois, ele não podia governar com outra parte da equipe contestando o conservadorismo exagerado. O tempo mostrou que as divergências não são insuperáveis quando os objetivos são alcançados.

Depois, ele não podia governar porque cortou demais os gastos para ajustar as contas públicas. O tempo mostrou que esse era o pedágio a ser pago para evitar chantagem em hora ruim.

Depois, ele não podia governar porque não deixou cortar demais os gastos. O tempo mostrou que a razão nunca está apenas de um lado só.

Depois, ele não podia governar porque não institucionalizou a autonomia do Banco Central. O tempo mostrou que isso não foi necessário porque não houve interferência na execução da política de controle da inflação.

Depois, ele não podia governar porque deu autonomia demais ao Banco Central. O tempo mostrou que, apesar do conservadorismo exagerado, essa autonomia não inviabilizou políticas de estímulo ao crescimento econômico.

Depois, ele não podia governar porque não estava cumprindo promessas de campanha. O tempo mostrou que isso só poderá ser cobrado no fim do governo.

Depois, ele não podia governar porque não deu aumentos reais para o salário mínimo e para o funcionalismo. Quando deu aumentos reais, não pode governar porque aumentou demais o gasto público.

Depois, ele não podia governar porque seria uma “Rainha da Inglaterra”, os outros iriam governar por ele. Quando os outros saíram do governo, ele não pode governar porque está isolado no governo.

Depois, ele não podia governar porque não controlaria os radicais do PT. Quando os radicais saíram do partido, ele não pode governar porque apelou para a tirania.

Depois, ele não podia governar porque não havia eficiência nas políticas sociais. Quando as políticas sociais começam a funcionar, distribuindo renda e reduzindo a pobreza, ele não pode governar porque tem programas assistencialistas com objetivos eleitorais.

Depois, não podia governar porque distribuiu crédito demais para os mais pobres. O tempo mostrou que o aumento da circulação monetária a partir dos mais pobres não torna inevitável a volta da inflação.

Depois, não podia governar porque era muito amigo dos movimentos sociais, até posava para fotos com o boné do MST. O tempo mostrou que o diálogo com os movimentos sociais não tira pedaço do Estado.

Depois, não podia governar porque os projetos demoravam muito para sair, passando por negociações intermináveis com todos os interessados no assunto. Quando procura resolver mais rápido, não pode governar porque edita muitas medidas provisórias.

Depois, não podia governar porque os ministérios não sabiam gastar direito os recursos disponíveis. Quando os fluxos de liberação orçamentária são organizados, não pode governar porque está liberando recursos demais.

Depois, não podia governar porque tinha dificuldades para demitir os amigos e aliados. Quando demite, não pode governar porque a demissão comprova a culpa dos amigos e aliados.

Depois, não podia governar porque o país não suportaria uma crise com escândalos em série por muito tempo. Quando a vida real não se importa com a crise que se arrasta há dez meses, não pode governar porque a crise não acaba.

Depois, não podia governar porque sabe demais sobre o que seus subordinados teriam feito. Quando não se comprova que ele sabia, não pode governar porque nunca sabe de nada.

Depois, não podia governar porque não pagou ao partido a passagem e estadia da mulher na viagem institucional que fizeram à China. Se um amigo faz o ressarcimento, não pode governar porque não explica a origem do dinheiro.

Depois, não podia governar porque os filhos usam regalias do Estado. Quando um filho consegue ser bem sucedido, não pode governar porque o aporte de uma concessionária de serviços públicos fez aporte financeiro em uma empresa, do ramo em que é considerado expert e da qual é sócio com 16% do capital.

Depois, não podia governar porque a filha não pagou suas dívidas de campanha. Quando o assunto é resolvido, não pode governar porque a conta pode ter sido paga por um amigo.

Depois, não podia governar porque um caseiro diz que o ministro da Fazenda é mentiroso. Quando se descobre que o caseiro pode ter recebido dinheiro da oposição para provocar a crise, não pode governar porque, na ânsia de comprovar a trapaça, integrantes do governo são apanhados em crime grave.

Se não demite o ministro que está sendo alvejado, não pode governar porque está acobertando ou garantindo o foro especial. Se demite e não faz discurso, não pode governar porque reprova os delitos cometidos, mas não os reconhece para proteger o aliado. Se demite e faz discurso chamando de amigo, não pode governar porque já sabia do crime e não quis denunciar.

Não pode governar mais quatro anos porque é amador e o país precisa ter de volta seus profissionais no governo. Aqueles que não deixam rastro.

Sempre haverá um motivo qualquer para a elite justificar a idéia de que Lula não pode governar. Porque o verdadeiro motivo que se esconde atrás de todas as objeções é que Lula é do povo. A elite não aceita ser governada por alguém do povo, que saiba compreender o povo, conversar com o povo e ajudar o povo a resgatar sua cidadania.

A elite não quer saber do povo, por isso ela não deixa o Lula governar.

Lula teve certa liberdade para governar enquanto manteve a linha de governo que agradava a elite. Os escândalos são graves, mas só foram minimamente apurados porque o alvo era o presidente popular e seu partido intruso. As entranhas de um governo nunca foram tão reviradas. Já existem vísceras suficientes para serem exibidas na campanha eleitoral. O limite entre a legítima defesa e o assassinato cruel é a agressão desenfreada e insistente. A sangria precisa parar antes que seja tarde demais.

Deixem o povo decidir se Lula e seu governo merecem mais quatro anos de mandato. Se esse esfolamento contínuo não parar logo, a campanha eleitoral poderá se transformar em uma batalha campal. Não é bom para a democracia que as forças derrotadas se sintam expropriadas do poder. Não fará bem à oposição eleger um presidente que não possa passear de carro aberto no dia de sua posse.

Deixem o Lula governar! Deixem o povo escolher!

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*Nelson Breve foi repórter das rádios Eldorado e CBN, da Agência Estado e do Jornal do Brasil, e assessor de imprensa da Confederação Nacional da Indústria e do ex-deputado José Dirceu. Escreve atualmente no site da Agência Carta Maior, onde este artigo foi originalmente publicado.