Editorial do diário La Jornada critica postura de Fox

O presidente mexicano Vicente Fox afirmou nesta quarta-feira (23/8), em entrevista coletiva a alguns jornalistas europeus, que seu correligionário Felipe Calderón é o candidato vitorioso das eleições presidenciais de 2 de julho. Como resposta, o diário

Confira abaixo a íntegra do texto:



Entre a negação e o atropelo



Em uma entrevista com representantes de veículos informativos da Alemanha, o presidente Vicente Fox deixou clara, uma vez mais, sua capacidade para negar a realidade e criar panoramas idílicos (e sem mais sustentação que seu desejo): em suas palavras, o grave conflito pós-eleitoral em que se encontra o país – provocado, em primeiro lugar, pelo empenho de seu governo em intervir de maneira indevida no processo – se reduz “a uma rua do país”, enquanto “o resto do país se mantém em plena calma”.



Ao minimizar assim a exigência civil de uma recontagem total dos votos emitidos no último dia 2 de julho – contados de forma mais do que duvidosa pelo Instituto Federal Eleitoral (IFE), o titular do Poder Executivo se priva de toda margem de manobra para participar de uma solução ao impasse institucional e social, pois para buscar tal solução é obrigado a admitir que não tem noção do problema.  



No entanto, a uma negociação improcedente e contraproducente, o mandatário agregou um atropelo institucional inadmissível: ao afirmar que nas eleições “houve um vencedor claro, o senhor Felipe Calderón”, Fox usurpa as atribuições exclusivas do Tribunal Eleitoral do Poder Judicial da Federação (TEPJF), única instância constitucionalmente facultada para declarar vencedor a um dos candidatos. Se não bastasse isso, com semelhante falta de contenção, o ainda presidente confirma, pela enésima vez, a desembocada parcialidade com que seu governo tem desempenhado em todo o processo eleitoral – inclusive desde antes do mesmo, quando funcionários e colaboradores de primeiro nível garantiram o complô midiático e jurídico agora demonstrado, para impedir que o nome de Andrés Manuel López Obrador aparecesse nas cédulas em 2 de julho.



Longe de contribuir para moderar os ânimos nesta perigosa conjuntura, as palavras presidenciais têm o efeito de exacerbá-los e de aumentar as tensões que já adquirem a forma de uma fratura nacional e que transcendem o mero âmbito dos processos de renovação de autoridades, para converter-se em uma confrontação aberta entre dois projetos de país: por um lado, o do próprio Fox, de seu antecessor Carlos Salinas e dos capitais transnacionais; por outro, o da coligação Pelo Bem de Todos, encabeçada por Obrador.



Em 2000, Vicente Fox foi eleito para que governasse durante seis anos. Ainda que até agora só o tenha feito em raras ocasiões, é procedente a exigência de que assim seja nos últimos dias de seu mandato, começando a comportar-se como presidente e que se abstenha de formular declarações que, ao invés de propiciar um clima favorável para superar a grave crise política que vive o país, a agrava de maneira palpável.