Consenso em Israel: Hezbolá ganhou a guerra sem nome

Por Bernardo Kucinski, enviado especial da Agência Carta Maior, em Tel Aviv*
Em 32 dias de guerra, estima-se entre 800 e 855 o número de mortes no Líbano, e em 147 em Israel. Quem ganhou com tantas mortes e tanta destruição? Entre os israelenses, há um

Todas as guerras entre árabes e judeus tiveram um nome. E foram muitas: guerra do Sinai em 56, guerra dos seis dias, em 67, guerra do Yom Kippur, em 73. Todas menos esta, observou ontem um jornalista do Maariv. Ele sugeriu um nome, sem equivalência em português, algo entre “guerra da ressaca e guerra do despertar”. Os israelenses despertaram para o fato de que perderam a fama da invencibilidade. E mais, de que “o uso apenas da força não assegura a paz”, como escreveu no Haaretz do domingo (13), o jornalista árabe de Haifa Raja Zaatara.



Descobriram também que seus famosos serviços de inteligência emburreceram, nada sabiam do poderio do Hezbolá e do seus bunkers no Sul do Líbano. Que seus reservistas estavam fora de forma, suas unidades sem equipamento, sua liderança política despreparada. Foram todos pegos de calças curtas.



Um dia antes do início da guerra, o comandante do exército, Dan Halutz, tinha confirmado reservas no hotel da Galiléia para passar férias com a família, revela nesta segunda (14) o Jerusalem Post, entre outros exemplos de que estavam todos vivendo num mundo de ilusão e falta de informação. No domingo, caíram 250 katiushas nessa mesma Galiléia, o maior número de foguetes lançados pelo Hezbolá num único dia, certamente para aproveitar os últimos momentos antes da trégua e numa demonstração de que seu poder de fogo está incólume.



A trégua pegou, essa é a boa notícia desta segunda. Podem se ouvir os passarinhos cantando na Galiléia, disse aliviado o locutor da rádio de Israel. Se a trégua vai durar, não se sabe. Mas que uma nova guerra vai começar para saber quem vai pagar a conta no governo israelense, isso é certo, diz o Jerusalem Post. Quem vai pagar pelos erros políticos e de gerenciamento? – pergunta o Maariv. O Jerusalem Post reproduz com grande destaque a revelação da revista Time de que em 2002 o comandante do exército, general Halutz, rejeitou uma oferta dos americanos de bombas de profundidade ´estoura-bunker´, dizendo que Israel tinha coisa melhor. Se tivesse aceito, diz o jornal, os bunkers de onde são lançados os katiushas poderiam ter sido atingidos com mais facilidade. O jornal diz que o Hezbolá tem 100 bunkers desse tipo.


 


As críticas da imprensa ao governo são pesadas. O Haaretz pediu a renúncia de do primeiro-ministro Ehud Olmert. Há um quase consenso de que Olmert vai cair. E o Jerusalem Post desta segunda fala que certamente vai ser aberto um inquérito para determinar culpas e castigos. Mas que a esquerda brasileira não se iluda, o que menos se critica aqui é o ataque à infra-estrutura do Líbano, que causou a morte de tantos inocentes. Só pequenos grupos, da extrema-esquerda, estão protestando – entre eles, aliás, uma das filhas de Olmert, ativista do movimento Paz Agora.



Por que não atacaram antes, é a pergunta que muitos fazem. E por que o lançamento dos 11 mil soldados das tropas de elite atrás das linhas do Hezbolá, já no Rio Litani, na véspera do cessar-fogo, perguntam os jornais deste início de semana. Se não lançaram antes, agora é que não deveriam ter lançado, diz o ex-chefe do Mossad, Dan Itum.



Só no fim de semana, sete soldados israelenses foram mortos na região do Litani pela guerrilha do Hezbolá. Essa foi a mais ousada e perigosa operação até agora, a única que poderia dar aos israelenses o poder da iniciativa. Tinha como objetivo encurralar o Hezbolá numa ´caixa da morte´, como definiu o Sunday Times, e inflingir ao xeique Hassan Nasrallah uma derrota ostensiva. Com o cessar-fogo, ela se revelou inútil, e as mortes desnecessárias. No sábado (12), o comandante do exército, Dan Halutz, culpou a diplomacia pela demora da operação, dizendo que estava tudo preparado há dez dias. Agora, ele diz que, mesmo tardia, essa operação foi essencial para garantir termos mais favoráveis no cessar-fogo.



Em 32 dias de guerra, diz o balanço de domingo do jornal Maariv, 147 israelenses morreram, dos quais 40 civis. Caíram na Galiléia 3.968 katyushas, sem contar os 250 de domingo. Mais da metade dos 170 mil habitantes da alta Galiléia fugiram para o Sul do país. A economia foi duramente afetada. As fábricas da Galiléia estão paradas e o Porto de Haifa, que recebia em torno de 20 navios por dia, hoje recebe um ou ou dois.



O Maariv diz que o ataque ao Líbano matou 855 pessoas. Mas não faz o balanço dos outros estragos. Esse balanço está no Observer do domingo – foram desfechados pela força aérea israelense 8.700 ataques ao Líbano, que destruíram ou atingiram pesadamente 146 pontes, 50 fábricas, 71 estradas e residências de 100 mil pessoas. O Observer estima as mortes libanesas em 800. Quem ganha com tantas mortes e tanta destruição? Há consenso entre os israelenses de que o Hezbolá é o único vitorioso.