Emir Sader: Por que o filme “Zuzu Angel” incomoda

Confira as opiniões do professor universitário e sociólogo Emir Sader sobre o filme Zuzu Angel, em cartaz no circuito nacional. O artigo foi originalmente publicado na Agência Carta Maior.

Zuzu incomoda


 


Por Emir Sader


 


Quando o mundo volta a ter um importante cinema político, a crítica brasileira se mostra ainda insensível e incapaz de assimilar essas temáticas. Veja-se o caderno especial do Le Monde Diplomatique – “Maniére de voir” – onde se dá conta que, com o surgimento do movimento de luta por “um outro mundo possível” e com os atentados de 2001 nos Estados Unidos, surgiu uma nova onda de politização do cinema no mundo, com reconhecimento dos grandes festivais de cinema que, pela primeira vez, deram um prêmio a um filme como o de Michael Moore, além de prestigiar a vários outros.


 


Por aqui, Olga foi abominado pela crítica, embora consagrado pelo público. Agora, Zuzu (Angel) não encontrou palavras de alento da crítica, embora uma ou outra voz isolada incentive a que o filme seja visto pelo grande público.


 


Zuzu incomoda, como a personagem real incomodou no seu tempo. Hoje, quando recorda as atrocidades da ditadura militar – seqüestros, torturas, execuções, desaparições. Quando vários personagens e órgãos da imprensa que participaram do regime ou compactuaram com ele, andam por ai, Zuzu incomoda.


 


Vem sempre a perguntinha que os jovens alemães, quando tomaram consciência do nazismo, passaram a perguntar para seus pais: Onde estava você? Não sabia daquilo tudo? O que fez contra? Com um imenso medo e desconfiança da cumplicidade dos pais com o nazismo.


 


Hoje nenhum órgão da imprensa fez a perguntinha a políticos, a empresários e aos próprios grandes órgãos da mídia: Onde estavam vocês? Não sabiam daquilo tudo? O que fizeram contra? Com uma desconfiança fundada da cumplicidade de todos eles.


 


Zuzu incomoda, porque toca numa ferida que nunca cicatrizou, porque nunca foi tocada: empresas e empresários financiavam a tortura, a repressão desatada pela ditadura militar e enriqueceram durante todo esse período. Quem são? O que fizeram? Quanto ganharam? Foram anistiados também pelo decreto da ditadura militar?


 


O papel da grande mídia também fica exposto: quando Zuzu diz que vai escrever cartas para as pessoas mais importantes do país, a caixa de envelopes deixa ver claramente quem é o primeiro da lista: Roberto Marinho. Ela vai à redação de um jornal para tentar publicar o anúncio fúnebre da morte de Stuart, recebe um rotundo não do editor que a atende. E, no final do filme, se diz que a carta que Zuzu deixou na casa de Chico Buarque, teve 22 cópias feitas por este e enviadas para os principais órgãos de imprensa da época, mas nenhum o publicou.


 


Mas vale muito a pena ver Zuzu não apenas por razões políticas. O filme – assim como Olga – é muito bem feito, sensível, tocante, agudo. Uma crítica estetizante, aberta para qualquer bagulho de Hollywood, demonstra uma impressionante falta de sensibilidade estética, mas também de sensibilidade política e humana. Será esta a insensibilidade da crítica pos-moderna, vazia de conteúdo, cortada do passado e do próprio presente?


 


Recomendo: vejam Zuzu, que incomoda, por ótimas razões, a quem tem que ser incomodado e que nunca foi incomodado – pelas torturas, que geraram polpudos lucros e fortaleceram monopólios privados. A violência, o terror, a ditadura, que estiveram a serviço das grandes fortunas. Para que este passado passe, vejamos todos Zuzu, apuremos quem produziu o terror, quem ganhou com ele, quem ainda anda por aí, impunemente, às custas da dor de Stuart, de Zuzu e de todas as vítimas – a quem a democracia não fez justiça até hoje.