Jornalista critica o ''silêncio'' da atual campanha eleitoral

Em artigo publicado hoje no site da Agência Carta Maior, o jornalista Caco Schmitt adota uma postura ousada e corajosa ao contrariar o senso comum e defender campanhas eleitorais mais vibrantes em contraposição à ''ditadura'' do silêncio que o

Entre na mente de uma criança de seis ou sete anos, ou na cabeça de um adolescente de 14 ou 15 anos: se os veículos de comunicação só apresentam a política, a participação na política, a campanha eleitoral, as eleições, como algo nojento, pernóstico, e que só suja as ruas, gera poluição sonora e corrupção, pra que escolher um governante? Para que democracia?




Não há espaço para questionamentos sobre as novas regras eleitorais. O que vemos hoje são reportagens, em quase todos os veículos, saudando a Ditadura do Silêncio, ou seja, a ausência de campanha eleitoral, como se isso fosse o remédio para políticos corruptos e não um retrocesso na democracia brasileira. Ninguém cogita o possível efeito colateral da despolitização e do surgimento de gerações ainda mais alienadas. Ao contrário, o que circula nos veículos impressos ou eletrônicos são saudações às ruas limpas, à campanha sem campanha, ao silêncio no lugar da festa da democracia.




No primeiro dia de campanha oficialmente liberado pelas autoridades, uma reportagem de tevê mostrou a cidade limpa, os postes sem pirulitos dos candidatos (apenas alguns anúncios de pequenos comerciantes). Com o apresentador dizendo: “Veja que maravilha! Agora, vamos mostrar a mesma rua há dois anos”. Aí, aparece a imagem da rua cheia de vida, cartazes, gente distribuindo panfletos, acenando bandeiras, a festa da democracia, mas no editorial da tevê: apenas sujeira. E o comentário: “Ah como está bom agora”. Na seqüência, completando a reportagem imparcial, as perguntas, o famoso povo-fala: “Acho melhor a cidade limpa”. “É, está bem melhor agora”. E não poderia ser diferente, quem não gosta de uma cidade limpa?




E mais: um candidato ousou colocar um carro de som num parque de freqüentadores de classe alta de Porto Alegre, os fiscais do silêncio cívico entraram em contato com os jornais e rádios, e o candidato levou o maior pau. No outro dia, teve que dar explicações, pedir desculpas. Pôs a culpa no mal-educado motorista-cabo-eleitoral que por iniciativa própria parou o carro perto de uma área de concentração de pessoas e não no meio do nada. Se o candidato não se submetesse à Ditadura do Silêncio, certamente não teria a mínima chance nessa eleição. Faria meia dúzia de votos…




Lutamos anos para entrar numa secção eleitoral carregando com orgulho a bandeira do nosso partido, ou do candidato. Vestir uma camiseta com slogans de campanha ou partidário, um bóton, um adesivo. Agora, a proibição é saudada não como cerceamento de opinião e sim como medida para evitar o abuso financeiro dos candidatos, afinal se eles têm muito dinheiro é porque meteram a mão, com certeza, em algum negócio escuso quando estavam no poder. A hipótese de ser apenas fruto da militância, apoio dos que acreditam sinceramente e compram materiais com seus próprios recursos, hoje sequer é cogitada: “é abuso do poder econômico!”. Mas os que sabem fazer direitinho seguem colocando seus dinheiros sujos em compra de voto, em pagamento a “cabos-eleitorais”, em gasolina para possíveis eleitores, sem serem detectados e sem provas, porque o abuso não fica estampado nas milhares de camisetas distribuídas, ou no chão das ruas próximas dos locais de votação.




Quando eu estava na pele de uma criança de seis ou sete anos, sem entender direito o significado dos símbolos, brincava ou com a espadinha ou com a vassourinha. Os adultos da época não portavam no peito adesivos, mas um pin, douradinho pra espada do general Lott e, se não me engano, prateado para a vassoura de Jânio Quadros. Nós começávamos a trocar de pele, de criança à adolescente, “participando”, a nossa maneira, de uma saudável disputa política pela presidência da República. Sentíamos que ela existia, pressentíamos que havia dois pensamentos diferentes, dois projetos sobre como seria o cenário da nossa adolescência e maturidade.




Mais adiante, na mente de um adolescente, as escolhas ficaram mais duras por causa do regime de exceção, que se instalou entre outros motivos – além da cobiça estrangeira e da desculpa de luta contra o comunismo –, porque a política “aninhava carcarás corruptos e políticos safados”. Colar um cartaz, largar um panfletinho, usar um megafone, então, não atrapalhava o lazer de meia dúzia de bacanas, não consistia em abuso de poder econômico dos diretórios acadêmicos, mas sim um ato saudado como heróico e destemido. A luta pela abertura de espaços para todos nós podermos participar era vista como luta pela democracia, contra o fascismo militar. O resultado veio com a abertura democrática.




A gente seguiu crescendo e crescendo também a participação na vida política do município, do estado, do país. Em conselhos de direitos, conselhos representativos de segmentos da sociedade, em campanhas ecológicas, no movimento estudantil, em manifestações por mais liberdade disso e daquilo. Claro: e nas campanhas eleitorais.




Todas essas manifestações faziam parte da festa da Democracia. Defender um nome, um partido, um direito, certo tipo de mudança, sempre foi algo saudável, apesar de sempre termos notícias, informações de políticos abusando do poder econômico, de despejarem caminhões de dinheiro na compra de voto. Dinheiro de patrocinadores ocultos que cobravam a conta pós-eleição. Denunciávamos, sem espaço na mídia, mas tocávamos o barco, sem questionar a eleição, a luta do capital contra a militância. Hoje, isso essa mesma prática é usada pela mídia como desculpa para tolher cada vez mais a explicitação da disputa.




A quem interessa a Ditadura do Silêncio? A quem interessa que crianças e adolescentes cresçam sem ver de perto ou sentir o clima de uma eleição democrática, sem cantar musiquinha, sem pegar as vassourinhas ou espadinhas, e só digam: “que nojo essa política”, repetindo as palavras da mãe e do pai com as cabeças feitas pelos meios de comunicação e pelos atos dos ladrões travestidos de políticos. E digam mais: “para quê isso?”


 



A Ditadura do Silêncio não se restringe às atuais eleições, cerca a cada dia mais temas, que saem de cena na grande mídia e da discussão entre os brasileiros. O debate é quase zero. Antes havia mobilização popular capaz de parar uma fábrica poluidora até que ela colocasse filtros, hoje se alguém ousa levantar qualquer hipótese de problema com meio ambiente, jogam um quilo de silêncio, porque essa pessoa “está contra o progresso”, está “contra o emprego”. “Queremos emprego a qualquer preço” é o único depoimento que se vê na mídia. E a versão da empresa, é claro! Quando um trabalhador levanta a possibilidade de uma greve por mais salário na “firma”, logo aparece outro dizendo: “Fica quieto que o emprego está raro, não arruma encrenca para nós”. Para esse tipo de depoimento há espaço na mídia, para outros: a Ditadura do Silêncio. Melhor deixar assim. E assim vai.




Agora, chega a vez da Ditadura do Silêncio avançar sobre o último reduto: a política, que seria o último caminho para alguma mudança. Com a colaboração de maus políticos, de partidos que destroem as utopias, criou-se (perdão pela palavra) o caldo de cultura para tentar “tirar” das vidas das pessoas, das novas gerações, a vontade de acreditar na política, de ver através da política a esperança de mudar o quadro de injustiças. Teremos uma eleição silenciosa, sem carro de som, sem grandes comícios, sem camisetas, sem bandeiras nas urnas, sem vida, apenas programas na televisão invadindo a sala de lares silenciosos – pois a mídia eletrônica, que usa concessões públicas, ainda não conseguiu suspender o horário político como vem tentando há anos.




Na mente de um adolescente de amanhã não haverá diferença entre uma eleição silenciosa aqui – um mero programa de televisão –, e uma “eleição” feita no “estúdio” do Conselho de Segurança da ONU, ou nos gabinetes do Tratado do Atlântico Norte. Ninguém vai ver de perto o candidato, mesmo, apenas virtualmente. Basta os poderosos escolherem o administrador de uma grande corporação internacional, ou um militar de confiança, com um programa de governo secreto, com a promessa de que as grandes indústrias vão continuar no Brasil, que haverá empregos (a qualquer preço…), e que não se gastará dinheiro em bobagens, espadinhas e vassourinhas, não haverá barulho nem sujeira nas ruas, pronto, já estará eleito, ou melhor: aceito. Silenciosamente.