Chanceler sírio: “Não condeno o Hezbolá, condeno Israel”

O ministro das Relações Exteriores da Síria, Walid Moallem, 65, diz que a recusa pelos EUA de um cessar-fogo imediato no Líbano é “totalmente inaceitável”. Diz que não condenao o Hezbolá por defender seu país, e sim Israel, por agredir um vizinho. E

Der Spiegel – Senhor ministro, como a Síria pode contribuir para resolver a crise no Oriente Médio?



Walid Moallem – Em primeiro lugar, a Síria não participou dos eventos que levaram à crise. No entanto, apoiamos a resistência libanesa, porque ela se baseia em um direito definido na Carta da ONU: a resistência é legítima enquanto houver ocupação.



DS – O senhor se refere à região ocupada por Israel das fazendas Shabaa, perto das colinas de Golã. Mas hoje a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, advertiu seu país a não obstruir os esforços para se alcançar a paz no Oriente Médio. O senhor quer ajudar a solucionar o conflito?



Moallem – Sim. Somos a favor de um cessar-fogo imediato. Devemos deter a matança de civis inocentes e a destruição da infra-estrutura civil. Depois deve haver uma troca de prisioneiros. A Alemanha pode ser útil mais uma vez nesse sentido, uma delegação alemã esteve aqui ainda na semana passada. Se esses dois esforços tiverem êxito, podemos transformar esta crise em uma grande oportunidade. Nós, sírios, queremos voltar às colinas de Golã que estão ocupadas desde 1967. Esta é a sexta guerra no Oriente Médio desde 1948, não pode continuar assim. Devemos finalmente atacar as raízes e encontrar uma solução abrangente para três problemas: o problema libanês, o sírio e o palestino.


DS – Vamos ficar com o libanês por enquanto. O senhor pode nos dizer quanta influência a Síria realmente tem sobre o Hezbolá?



Moallem – A questão não é tanto nossa influência, mas os interesses nacionais do Líbano. Se o Hezbolá vir que os interesses do Líbano estão justamente representados nas negociações, e se a Síria vir que seus próprios interesses e os do povo palestino estão justamente representados, então o resultado será um tratado de paz.



DS – O senhor vê seu país como um fator importante nesse conflito?



Moallem – A Síria tem três grandes forças. Ela goza do apoio de 95% dos árabes, um número que é verificável. A Síria é considerada um Estado que segue suas próprias políticas independentes. Finalmente, a Síria, como vizinha da Palestina, do Líbano e do Iraque, é simplesmente predestinada, histórica e geograficamente, a contribuir para uma resolução dos conflitos no Oriente Médio. O único problema é que não fomos convidados para as negociações de paz em Roma, porque os EUA e a Europa estão nos isolando. Nesse caso, porém, não lamento porque os americanos tentaram conter o cessar-fogo para permitir que Israel se entrincheirasse no sul do Líbano mais uma vez.



DS – Em toda Damasco há cartazes mostrando o presidente sírio, Bashar Assad, junto com o xeque Hassan Nasrallah, líder do Hezbolá. Essa é uma declaração clara.



Moallem – É a expressão de um sentimento público que você encontrará em todos os países árabes. Nasrallah é respeitado porque ele está combatendo pelo Líbano e contra a ocupação de Israel, e o presidente Assad é respeitado porque ele continuou firme em sua oposição à hegemonia americana no Oriente Médio. Infelizmente, a Síria é o único país que está fazendo isso.



DS – Os líderes do Egito, Jordânia e Arábia Saudita condenaram o Hezbolá por suas provocações a Israel. O senhor concorda com essas críticas?



Moallem – Não, eu não condeno o Hezbolá. Condeno Israel por deter milhares de palestinos e alguns libaneses em suas prisões, incluindo mulheres, crianças e pessoas velhas e doentes. Condeno Israel por se opor a uma solução abrangente para esse conflito. Passei dez anos negociando com Israel. É minha impressão de que sua atual liderança política não deseja a paz.



DS – O senhor considera a matança e o seqüestro de soldados israelenses um ato legítimo de resistência?



Moallem – Israel só vê a captura de seus soldados. Nós vemos a agressão de Israel, os civis mortos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia e as centenas de milhares de palestinos que precisam viver sem eletricidade ou água potável. Essas pessoas são nossos irmãos, e ficamos muito emocionados quando vemos o que está acontecendo com eles.



DS – Israel e os EUA acusam a Síria de fornecer armas ao Hezbolá.



Moallem – Essa acusação existe desde que o Hezbolá surgiu. É clássica. Mas é incorreta.



DS – O senhor pode descartar a possibilidade de que armas do Irã possam ter chegado ao Hezbolá através de território sírio?



Moallem – Pode ter acontecido ocasionalmente no passado. Mas não aconteceu desde maio de 2000, quando Israel se retirou do sul do Líbano.



DS – Gostaríamos de acreditar nisso. O senhor tem contato direto com Nasrallah?



Moallem – Como? Israel está destruindo as estradas do Líbano e a rede telefônica. Está isolando aldeias e cortando o abastecimento de água. Não sabemos onde está Nasrallah.



DS – O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, declarou que o Estado de Israel deve ser eliminado do mapa.



Moallem – Eu represento os interesses da Síria, e negociei com Israel de
1991 a 2001 – com pessoas israelenses, e não com fantasmas. Eu sempre disse que se pudermos concordar com a paz com Israel então reconheceremos Israel.



DS – Mas qual é sua posição sobre as declarações de Ahmadinejad?



Moallem – Sem comentários. Nós na Síria nunca dissemos que Israel deveria ser empurrado para o mar. A paz com Israel é possível, mas deve ser uma paz baseada não apenas na resolução 1559 da ONU, mas também na resolução 242, que pede que Israel se retire para as fronteiras de 1967, e na resolução 194, que trata do destino dos refugiados palestinos.



DS – Isso significa que o senhor pode imaginar retomar as negociações com o primeiro-ministro (israelense) Ehud Olmert onde pararam em 2001?



Moallem – Por que não? Se Olmert for um homem de paz, como seu antecessor assassinado Yitzhak Rabin, e se ele conseguir convencer a população israelense a escolher o caminho da paz, podemos retomar as negociações. Realmente só temos duas opções. Queremos continuar como fizemos no passado e ter uma nova guerra a cada dez anos? queremos capitular aos extremistas que estão apenas esperando para se aproveitar da situação que temos hoje? Ou queremos um amplo compromisso que finalmente traga a paz, a estabilidade e a prosperidade para o Oriente Médio? A Síria é pela última dessas opções.



DS – O que o senhor quer dizer com extremistas? O Hezbolá? Ahmadinejad?



Moallem – Quero dizer grupos como a al Qaeda e homens como Abu Musab al-Zarqawi, os que matam pessoas inocentes no Iraque, na Europa e nos EUA. Essas pessoas não são combatentes da liberdade. Essas pessoas são terroristas. Você não pode compará-las com o Hezbolá ou o Hamas.



DS – Um tratado de paz abrangente para o Oriente Médio – isso o coloca em linha com a proposta da secretária de Estado americano, Condoleezza Rice.



Moallem – Sim, mas por que ela e o embaixador americano na ONU rejeitam um cessar-fogo imediato? Sua posição é totalmente inaceitável. Neste momento estamos falando em salvar vidas humanas, e não discutindo se Israel ou o Hezbolá são capazes de alcançar seus objetivos de guerra. Se a senhora Rice só quer dar a Israel mais tempo para continuar sua destruição do Líbano, Washington nunca estará em posição de construir um novo Oriente Médio, como anunciou.



DS – Como o senhor se sente sobre a idéia de mobilizar uma força de paz no sul do Líbano, possivelmente liderada pela Otan?



Moallem – Isso caberá aos libaneses decidir. Se o único objetivo for estacionar tropas no território libanês para garantir a paz para Israel, então muitos libaneses a verão como uma ocupação. Esse tipo de acordo me lembra muito o que aconteceu em 1983…



DS – … Quando homens-bombas atacaram a base dos fuzileiros-navais da ONU em Beirute, matando 241 pessoas.



Moallem – Não queremos que isso aconteça de novo. Ou pense no ataque de Israel da última terça-feira, em que quatro homens do contingente da Unifil foram mortos.



DS – Seu ministro da informação diz que se as tropas israelenses se “aproximarem de Damasco” a Síria não ficará inativa. Isso parece bastante ameaçador.



Moallem – Não sou um militar. Mas foi uma mensagem. Não queremos atacar Israel, mas não se pode permitir que Israel ameace nossa segurança. Se Israel nos atacar, responderemos.



DS – O senhor se queixa de que a Europa está isolando a Síria. Qual é seu conselho para os europeus?



Moallem – Já passou da hora de eles deixarem o lado americano. O incêndio que está queimando no Oriente Médio também representa uma ameaça para a Europa. Mas a Europa, que olha para o passado e vê duas horríveis guerras mundiais, sabe e percebe que há necessidade de passos enormes para alcançar a paz. Isso é de seu próprio interesse. Nós sonhamos com a Europa tendo tanto poder político quanto já tem economicamente.



DS – Pode haver paz no Oriente Médio sem a Síria?



Moallem – Acredito que não.


 


Fonte: Der Spiegel