García toma posse no Peru após aceitar acordo com EUA

Por Fernando Damasceno



Nesta sexta-feira (28/7), o social-democrata Alan García assume pela segunda vez a presidência do Peru. Com 57 anos completados em 23 de maio, o advogado nascido em Lima reassume o principal cargo político do país cer

Para os neoliberais alinhados à política norte-americana, sua eleição foi um mal menor: a alternativa no segundo turno era o coronel Ollanta Humalla, mais à esquerda, já que a conservadora Lourdes Flores ficou de fora, em terceiro lugar. Para os membros do partido de García – a Apra, Aliança Popular Revolucionária Americana – o novo governo seguirá uma tendência de “esquerda responsável”, inspirada principalmente nos vizinhos Brasil e Chile. Para os partidos nacionalistas e progressistas do Peru, Alan García já deu suficientes mostras de seu alinhamento com os Estados Unidos.



Um breve histórico de sua trajetória política cria ainda mais incertezas, mas a análise de suas últimas declarações e decisões tomadas dá razão ao terceiro prognóstico. Seu governo tende a destoar da onda anti-neoliberal que predomina na América do Sul.



Primeiro mandato



Dono de exemplar capacidade oratória, García foi eleito presidente com grande respaldo popular em meados da década de 80. Durante seu mandato (1985-90), tentou colocar em ação alguns dos principais pontos defendidos historicamente por seu partido: a unidade da América Latina, a nacionalização de terras e indústrias e a oposição ao imperialismo norte-americano.



Apesar das idéias progressistas defendidas por seu partido, o governo de García foi marcado por atribulações. Na economia, diversos choques com grupos empresariais, a hiper-inflação e a interrupção das relações com o FMI (Fundo Monetário Internacional) causaram uma crise histórica. Por outro lado, a ação de grupos como o MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru) e o Sendero Luminoso, responsáveis por diversos atentados em Lima, resultou num contra-ataque violento do governo. Essa truculência e alguns casos de corrupção fizeram com que lideranças deixassem a Apra, que, enfraquecida, não foi capaz de impedir a vitória de Alberto Fujimori nas eleições de 1990.



A eleição de 2006



Com a vitória de Fujimori e o golpe de estado aplicado por este em 1992, García foi obrigado a se exilar na Colômbia até 2001, ano em que voltou a disputar as eleições presidenciais. Em uma eleição apertada (obteve 47% dos votos válidos), ele foi derrotado no segundo turno por Alejandro Toledo, que teve o apoio dos EUA.



Em 2006, o resultado foi diferente, assim como o cenário eleitoral no Peru. García tinha como adversários a conservadora Lourdes Flores e o nacionalista Ollanta Humala. Contra a maioria das análises iniciais, o segundo turno foi disputado por García e Humala, deixando as forças de direita sem uma opção que contemplasse plenamente seus interesses.



A opção da direita



Desde o início da campanha eleitoral, a candidatura de Humala foi abraçada pelas forças progressistas da América Latina – ela teve apoio explícito do presidente venezuelano Hugo Chávez, o que foi muito explorado na imprensa, com efeito eleitoral negativo. Em Washington, a eleição de García passou a ser vista como um mal menor.


 


O candidato da Apra percebeu isso e tratou de se alinhar a Louredes Flores, dona de cerca de 23% dos votos no primeiro turno – Humala foi o primeiro, com pouco mais de 30%, enquanto o candidato da Apra obteve cerca de 24%. Dono de um histórico discurso anti-ianque, García viu-se então alinhado aos interesses norte-americanos. Contou também com maciço apoio da imprensa local: encerrado o segundo turno, obteve 52,62% dos votos válidos e derrotou as expectativas da esquerda local.



A primeira fatura



Durante o período de transição governamental, García passou a definir seu futuro governo como uma “esquerda responsável”. Sempre que possível, fez elogios ao presidente Lula, enquanto dedicava palavras nada amigáveis a Hugo Chávez, Evo Morales e Fidel Castro.



O primeiro teste concreto do propalado “esquerdismo” veio ainda antes da posse. Alinhado ao presidente Alejandro Toledo, no último dia 28 de junho García foi favorável à aprovação do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, a ser implantado a partir de 1º de janeiro de 2007 pelos dois países.



Em comunicado oficial, o Partido Comunista Peruano definiu sua atitude como “uma submissão ao domínio imperialista” e como “uma mostra do que será o governo de García”. De acordo com Renán Muñoz, secretário-geral do partido, o acordo é uma anexação da economia peruana às exigências permanentes dos Estados Unidos.
“O Tratado foi desenhado para que nosso país se transforme em uma colônia ao estilo de Porto Rico. Os únicos beneficiados com isso serão alguns empresários, enquanto o futuro de milhões de camponeses, agricultores e pequenas empresas ficará comprometido”, explica Muñoz.



Fortalecimento do nacionalismo



Alan García enfrentará, porém um Parlamento irrequieto, após anos de predomínio das forças neoliberais. Do total de 120 vagas para o Congresso, 45 serão ocupadas por deputados do partido de Humala, dono de mais de 6 milhões de votos (47% do total).



As forças de oposição no Peru já se articulam para que o movimento progressista consiga se fortalecer ainda mais nos próximos anos. Os comunistas peruanos fazem parte dessa corrente e se dizem vigilantes em relação aos passos iniciais de García em seu segundo mandato.



“Diante de uma direita vendida e entreguista, a esquerda e as forças nacionalistas e democráticas devem se unir em torno de uma mesma luta, que seja capaz de provocar as mudanças exigidas pela população mais carente e pela maioria dos moradores do interior de nosso país”, defende o secretário-geral do Partido Comunista Peruano.