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Pela imprensa – 1

Um passeio pelos editoriais dos jornalões brasileiros mostra a cada dia o quanto eles se unificaram em torno de um só ponto de vista para enxergar a vida pólítica nacional. Basta passar os olhos pelas manchetes de alguns deles nesta terça-feira (4).

Folha de São Paulo: “Thomaz Bastos nega omissão na quebra de sigilo”; O Estado de São Paulo: “Palocci pediu que arapongas da Abin espionassem caseiro”; Jornal do Brasil: “Munição contra Okamotto – Passado atropela o amigo de Lula”; Correio Braziliense: “Bastos sofre pressão. Okamotto depõe hoje”.
Na TV Globo, o programa “Bom Dia Brasil” reitera o pensamento único: “A CPI dos Bingos põe frente a frente hoje o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto e um ex-petista Paulo de Tarso Venceslau, que acusa Okamotto de participar de um esquema ilegal de arrecadação. Mas o Supremo impediu que parlamentares perguntem sobre o pagamento de contas do presidente Lula”.
A maior diferença: atacar Bastos ou Okamotto
Os editoriais são ainda mais engajados na Santa Alianpça antigovernista. A Folha investe contra Márcio Thomaz Bastos e conclui com a diretiva: “Até para que não reste a menor dúvida sobre as alegações do ministro da Justiça, as investigações devem ser exaustivas”. O Estadão, seu rival, concorda: “A conduta de Thomaz Bastos no caso parece ambígua”. Já o JB considera que há “muitas zonas de sombra” em torno de Paulo Okamotto, que: “Há interrogações à espera de respostas, e somente a eliminação de sombras obscuras ajudarão (sic) o país a separar vítimas de culpados”.
Como se vê, a maior diferença editorial no seio da chamada mídia grande é sobre qual a bola da vez a tentar encaçapar o quanto antes. Uns acham que é Thomaz Bastos, outros divergem e escolhem Okamotto. Mas todos concordam que o governo Lula tem que acabar, nas urnas de outubro se não antes.
A liberdade dos donos da imprensa
Essa impressionante unanimidade, entremeada de auto-elogios e loas ao “trabalho jornalístico legítimo, voltado apenas a retratar uma realidade repleta de delúbios e marcos valérios” (O Globo), refletirá talvez um posicionamento maciço da opinião pública? Não. Procurando-se com suficiente pachorra, fica-se sabendo que a última pesquisa pré-eleitoral, encomendada pelo JB ao instituto IBPS, mostra Lula com 44% (tinha 42% há um mês). Alckmin, sobe de 26% para 31%, porém ainda fica atrás de Serra, que tinha 35%.
Que liberdade de imprensa é essa, se não a liberdade dos donos da imprensa, dos oligarcas da imprensa, das dinastias hereditárias da imprensa, em que filhos, netos e bisnetos, muitas vezes sem o talento de seus ancestrais, sentam em cima da opinião pública? Que aleijão midiático é esse, onde a maioria dos cidadãos acha uma coisa e todos os meios de comunicação se empenham em convencê-la do contrário?
Uma janela de oportunidade
Esse monolitismo, porém, exacerbou-se a tal ponto que terminou por abrir uma janela de oportunidade para o seu contrário. Desde a eclosão da crise política em maio do ano passado, já lá vão quase 11 meses, o uníssono midiático tornou-se monótono demais, monocórdido demais, suspeito demais. O cidadão-leitor-telespectador-internauta começa a desconfiar. Olha à sua volta, em busca de outras vozes e pontos de vista. Desconfia.
Por isso o pensamento único midiático não há de se eternizar, por mais que se esmere e se assanhe. O Brasil encerra enormes disparidades e conflitos sociais e políticos. Não há como um país assim coexistir com uma imprensa de uma nota só. No passado não foi assim. No futuro não há de ser.