Com Guarnieri, o Brasil e o povo subiram ao palco

Quando o cineasta Leon Hirszman transformou em filme a peça Eles não usam black-tie , de Gianfrancesco Guarnieri, ele fez, talvez inconscientemente, a ligação entre a luta dos trabalhadores do período anterior à ditadura militar de 1964, e o protesto oper

O filme foi realizado em 1981, e a peça foi escrita e encenada em 1958, alcançando enorme sucesso. Essa ligação simbólica exprime com felicidade a obra e a atividade deste gigante do teatro brasileiro que deixou a vida sábado, dia 22.


Gianfrancesco Guarnieri (Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi de Guarnieri) nasceu em Milão, Itália, em 8 de agosto de 1934. Criado no Brasil, transformou-se em um dos maiores artistas de nossa terra. Um artista que desde cedo vinculou-se à causas populares e ao ideal socialista. Começou escrevendo para o jornal da Juventude Comunista, em 1947, com apenas 13 anos de idade. Certamente por influência de seus pais que, militantes antifascistas, foram obrigados deixar a Itália.


Mais tarde, no final da década de 1950, já consagrado pelo êxito de Eles não usam black-tie, usou sua arte para participar do debate que marcou o movimento comunista brasileiro e, com o personagem Agileu Carraro, que retratou um lutador proletário na peça A semente (1961), criticou a orientação que, então, prevalecia no PCB..


Teve participação fundamental no Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), até que aquele movimento foi fechado pela ditadura militar, em 1964. Suas convicções se manifestaram, sob o tacão do arbítrio militar, em algumas obras memoráveis, que fizeram a história do teatro mais avançado no Brasil: “Arena conta Zumbi” (1965), “Arena conta Tiradentes” (1967), “Marta Saré” (1968), “Castro Alves pede passagem” (1971), “Ponto de partida” (1976).


São mais de vinte e cinco textos, além da participação em filmes, novelas e da composição de canções, como “Upa Neguinho!”, em co-autoria com Edu Lobo. Obras engajadas que registraram, com engenho e arte, as contradições vividas por nosso povo e o protesto e inconformismo contra a opressão da ditadura.


Guarnieri nunca abandonou esse sentimento de classe, tão pouco o sonho por um mundo mais avançado, que supere as limitações do capitalismo. Em 1998, o Instituto Maurício Grabois, então presidido por Walter Sorrentino, realizou uma homenagem ao seu trabalho artístico, no Teatro de Arena, no final solenidade, Guarniere proclamou novamente suas convicções: “É possível o ser humano vencer, mas com a consciência disso, com a consciência de que ele pode evoluir, na medida em que souber que jamais encontrará um mínimo de felicidade, se esta se basear na exploração, na miséria, na fome e na dor da maioria do povo desta terra. Quero dizer que há algum tempo estou me reanimando por dentro, e descobrindo que é possível continuar. Eu me lembro que no final da estréia do ‘Eles não usam black-tie', aqui em cima, muito emocionado subi numa cadeira e fiz um compromisso solene de que jamais abandonaria minhas idéias e tudo aquilo que me levou a escrever a peça. Eu fico satisfeito porque, olhando para trás, apesar dos momentos de desencanto, que cada um tem na sua vida, nunca dei pra trás. É preciso tomar todas as medidas, e urgente, para colocar um rumo novo. Quero dizer que chegaremos! Adiante, companheiros, chegaremos lá!”


A convicção de Guarnieri contra as injustiças, de amor ao Brasil e seu povo e pela conquista de um mundo novo, socialista, fez dele um amigo do Partido Comunista do Brasil, do qual se aproximou desde o início da década de 1990. Em 1997, na comemoração dos 75 da legenda comunista, emocionou a todos declamando poemas de Castro Alves. Guarnieri pertencia ao Conselho Consultivo do Instituto Maurício Grabois. No final dos anos 90, foi ao lado de Francisco Milani e outros artistas, apresentador do Curso Básico de Vídeo (CBV), elaborado pelo Instituto Maurício Grabois e destinado à formação de militantes do PCdoB e do movimento popular.


O Instituto Maurício Grabois homenageia este grande artista que acaba de nos deixar, mas que permanece entre nós através de sua obra artística de rica qualidade e do seu exemplo de luta em defesa do povo brasileiro.


São Paulo, 23 de Julho de 2006


Direção Nacional do Instituto Maurício Grabois