Le Monde: O fetiche da tatuagem em craques, modelos e jovens

Muitos a consideram como uma forma de expressão moderna, mas é uma prática antes primitiva, tão antiga quanto a própria humanidade

''Uma tatuagem (…) é um amuleto permanente, uma jóia viva que não pode ser retirada'', escreve Michel Tournier (romancista francês), citado no dicionário Le Petit Robert. Não há limites para a imaginação na sua elaboração. Com os seus desenhos que podem representar, entre muitos, um golfinho, o logo de um grupo de rock, um dragão ou uma borboleta, com variantes infinitas, a tatuagem tornou-se mais de que uma moda.


 


Os jogadores da Copa do Mundo de futebol, os modelos por ocasião de desfiles e os turistas em férias trajando roupas leves exibem esta decoração do seu corpo. ''A tatuagem está no ar do nosso tempo. Ela corresponde a uma escalada no incremento da aparência, e se desenvolve paralelamente à transformação do corpo em mercadoria'', analisa David Le Breton, um professor de sociologia na universidade Marc Bloch de Estrasburgo.


 


Para os pesquisadores, essa empolgação pela tatuagem, que surgiu durante os anos 70 e conheceu uma forte amplificação 20 anos mais tarde, nada tem a ver com as práticas anteriores ou exóticas. Essas marcas sobre a pele eram até então sinais utilizados por um indivíduo para afirmar que ele pertence a um grupo: religioso entre as populações maoris (Nova Zelândia, Ilhas Cook), de piratas, de antigos presidiários ou de legionários.


 


''Para as gerações as mais novas, o gosto pelo piercing ou a tatuagem
constitui uma mistura ambígua de reivindicação de originalidade e de
submissão às atitudes conformes de uma classe de idade'', prossegue David Le Breton.


 


Esses ''adereços cutâneos'' correspondem em primeiro lugar a uma vontade de embelezar o corpo. ''É uma espécie de vestimenta que não é retirada. A ela misturam-se a sedução, a provocação, a parte de estima por si mesmo e o sinal de uma vinculação social'', comenta Jean-Luc Sudres, um psicólogo, mestre de conferências na universidade Toulouse-Le Mirail.


 


Todas essas motivações, conscientes ou não, explicam a variedade dos temas e a escolha do momento na decisão da pessoa de se fazer tatuar. Entretanto, não existe nenhum código específico. A tatuagem não constitui uma maneira de exibir sua vinculação a um grupo, a uma tribo ou a um bairro.


 


Em contrapartida, este ato corresponde em muitos casos a um acontecimento da vida, seja este agradável ou doloroso. Isso pode ir desde o sucesso numa prova importante até a morte do seu animal de estimação. Assim, uma mulher mais do que quinqüagenária se fez tatuar o retrato do seu canicho depois de este ter morrido.


 


Para os adolescentes, a tatuagem não raro é vivenciada como um rito de
passagem, uma apropriação do seu corpo. Por vezes, eles agem por impulso, e se arrependem do seu ato mais tarde. Quanto ao local escolhido para o desenho (um pouco acima das nádegas, em volta do tornozelo, no ombro), ele é ao menos significativo da vontade de discrição e de intimidade que a pessoa quer lhe atribuir.


 


''Muitas pessoas chegam aqui já com uma idéia do desenho que elas querem
aplicar, e nós nos limitamos a reproduzi-lo em sua pele. Mas também existem aquelas pessoas que não sabem ao certo o que elas querem, e nós lhes oferecemos diversas opções'', conta Tin-Tin, do Sindicato Nacional dos Tatuadores (Snat). Esta é uma ''operação'' que pode durar entre dez minutos e 150 horas, já que uma aplicação mais complexa requer interrupções de três semanas para o tempo de cicatrização.


 


Nem todos são iguais perante a tatuagem, a qual sobressai melhor nas peles claras, enquanto as peles escuras preferem as escarificações (pequenas incisões para criar motivos em relevo). ''As pessoas que se fazem tatuar não parecem estar preocupadas com o que acontecerá com o passar do tempo, com o envelhecimento da pele. Aliás, não existe nenhuma pesquisa sobre esta questão'', comenta Jean-Luc Sudres.


 


A tatuagem apresenta duas especificidades: a sua aplicação é mais ou menos dolorida, e ela é indelével, exceto se a pessoa resolve se submeter a uma cirurgia com laser, algo que é preferível fazer sob a orientação de um médico. Certas clínicas se especializaram nessa atividade, e os tatuadores lhes enviam todos aqueles que se deram conta um pouco tarde que eles não têm nenhuma vontade de guardar para o resto da vida o símbolo que foi gravado na sua carne.


 


Autorização dos pais


''Quando nós explicamos o grau de periculosidade da tatuagem, a dificuldade para apagar o desenho e os riscos de alergias, alguns acabam desistindo'', constata Brigitte Cadéac, uma responsável pelo atendimento por telefone do Fil Santé Jeunes, uma associação sem fins lucrativos da região parisiense, isso, para os menores de idade, alguns tatuadores tomam a precaução de solicitar uma autorização dos pais.


 


Por fim, a escolha do ''suporte'' tem um caráter muito peculiar. ''Os
psicanalistas detectaram que a pele exerce um papel muito particular na
psique. Para Freud, tratar-se-ia de uma projeção do ego. Além disso, os
pesquisadores que trabalharam na teoria do apego estabelecem uma relação entre a pele e a relação entre mãe e filho'', comenta Nicole Péricone.


 


Essa psiquiatra infantil e psicanalista, que constata um desenvolvimento das patologias narcísicas, acrescenta: ''Talvez isso corresponda também ao fato de que a palavra perdeu seu lugar preponderante no campo da comunicação. Quando as pessoas optam por se fazer gravar um desenho na pele, é porque elas precisam complementar alguma coisa para então aceder ao outro''.


 


Enquanto a tatuagem e o piercing parecem ser as modificações corporais as mais apreciadas da nossa época, tais práticas sempre existiram em todas as civilizações. Os pés enfaixados das chinesas, os lábios deformados das mulheres de certas tribos africanas ou certos tipos de inserções dentárias também pertencem a essa categoria.