O sucesso do Mercosul e a torcida contra

Por Bernardo Joffily



Não é um encontro qualquer o de Córdoba nesta sexta-feira (21). A Cúpula do Mercosul reúne oito presidentes – Néstor Kirchner (Argentina), Luiz Inácio Lula da Silva ( Brasil), Nicanor Duarte (Paraguai), Tabaré Vázquez&n

A casca-de-banana é de autoria do escritor mexicano e ex-chanceler do governo Fox, Jorge Castañeda (um desses ex-esquerdistas que dedicam a vida a exorcisar os pecados de juventude, e, se vivem o bastante, correm o risco de cair do mundo de tanto que se esmeram em se “endireitar”).



“Duas esquerdas”?



Diante dos sucessivos êxitos eleitorais de forças impulsionadas pelo sentimento antineoliberal, Castañeda propôs, no início do ano, uma divisão classificatória das esquerdas: haveria a “tradicional” e a “populista”, ou a “nova esquerda” e a “velha esquerda”, ou ainda a “reformista e aberta” contra a “fechada e radical”. Na primeira estariam os chilenos Lagos e Michele, o brasileiro Lula e o uruguaio Tabaré. Na última, Chávez, Kirchner, Evo, Fidel e ainda o seu desafeto mexicano, López Obrador. Uma seria a “boa esquerda”, outra a “ruim”.



Eis porem que a Cúpula de Córdoba reúne os representantes da esquerda “boa” e da “ruim”. Não para discutir ideologia com Jorge Castañeda, mas para impulsionar a integração continental, fortalecendo o bloco econômico que é o seu mais bem sucedido produto. E, ao fazê-lo, abre uma alternativa real para o projeto neoliberal na América Latina.



Um continente que se desloca



A Venezuela de Chávez participa pela primeira vez de uma Cúpula como membro pleno do Mercosul. A Bolívia de Evo, que é membro associado, estuda a passagem para membro pleno, tal como o faz o Peru de Alan García Enquanto Cuba de Fidel assina um tratado de cooperação e  analisa a passagem à condição de associado.



Cada um dos oito países representados em Córdoba tem a sua trajetória própria, com as suas peculiaridades. E ocorre ainda delas conflitarem, como acontece hoje entre a Argentina e o Uruguai, devido à crise das papeleras, ou entre o Peru e a Venezuela, em virtude do apoio de Chávez a Ollanta Humala, o candidato presidencial derrotado por García. Reduzir todos os processos em curso latino-americanos a um único, chapado e indistinto, seria evidentemente um erro. Mas o corte escolhido por Castañeda se destaca pelo artificialismo.



O fato é que todo o continente, do México à Terra do Fogo, deslocou-se para a esquerda — ainda que não se saiba ainda o desfecho da eleição presidencial mexicana. As próximas eleições deste ano, no Brasil, Equador, Nicarágua e Venezuela, tendem a confirmar o deslocamento. A exceção fica sendo a Colômbia, onde o narco-direitista Álvaro Uribe reelegeu-se no primeiro turno em maio passado; mas mesmo este enfrentou uma inédita polarização com um candidato de esquerda.



Um denominador comum



O deslocamento latino-americano segue ritmos e emprega discursos distintos, ainda não se consolidou e nem corresponde a uma tendência histórica inevitável. Mas possui também um denominador comum, de causas e de tendências. Entre estas, figura o repúdio à Alca (Área de Livre Comércio das Américas), proposta pelos EUA e vista como um plano de anexação, e a busca de caminhos para a integração continental, a começar pela América do Sul. O Mercosul, a despeito de seus defeitos, imaginários ou reais, vai se efetivando como o seu desaguadouro.



Foi-se a época inicial em que o “Sul” do bloco dizia respeito apenas ao Cone Sul. Com o ingresso pleno da Venezuela, ele passa a integrar as três maiores economias sul-americanas, que somam três quartas partes do PIB da região (sem contar os Estados associados, que são a Bolívia, o Chile, o Peru, o Equador e a Colômbia). Os problemas que enfrenta, e não são poucos, são problemas do crescimento. Banhado agora pelo Mar do Caribe, pode vir a ter em Cuba o seu primeiro associado não sul-americano.



Em um mundo regionalizado, e na vizinhança do império norte-americano, só isso deve dar calafrios em Jorge Castañeda, que se converteu num furioso inimigo de Cuba. Mas não se pode agradar a todos, não é mesmo?