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Queda de juro do BNDES representa derrota dos ''ortodoxos''

Com a redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) de 9% para 8,15% ao ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deu mais um estímulo para a atividade econômica ao diminuir o juro que corrige os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

 

Por Osvaldo Bertolino

 

Com a redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) de 9% para 8,15% ao ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deu mais um estímulo para a atividade econômica, ao diminuir o juro que corrige os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A queda da TJLP é uma briga antiga do BNDES — ela ocorreu tanto na gestão do atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto do economista Carlos Lessa. A queda não aconteceu antes porque o setor "ortodoxo" do Ministério da Fazenda lutou o quanto pôde contra a orientação desenvolvimentista do BNDES.

 

Mantega, por exemplo, disse recentemente que o ex-secretário do Tesouro, Joaquim Levy, estava "equivocado" ao se posicionar contra a queda da TJLP. Levy havia dito que a pressão por reduzir os custos dos financiamentos de instituições públicas não teria efeito sobre as decisões de investimento. Mantega irritou-se e reagiu com dureza. "De Joaquim Levy falo no banco", disse, mostrando que a polêmica fervia nos bastidores do governo.

 

 

Levy, o verdadeiro César

 

 

A luta pela redução da TJLP foi a causa principal da demissão de Lessa. Em entrevista à revista Debate Sindical, ele disse que Levy era a figura fundamental no jogo da taxa de juros praticado pelo Banco Central (BC). Por isso, o ex-secretário do Tesouro lutou contra o rebaixamento da TJLP. "Eles queriam a taxa de juros do BNDES ao nível da Selic", disse Lessa. "E, além disso, permitir aos bancos comerciais botar as mãos no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) — que é o Fundo que o BNDES empresta. Eu briguei contra isso como um louco", afirmou Lessa.

 

Para o ex-presidente do BNDES, Levy era o homem poderoso, o verdadeiro César que ficava na sombra para criar intrigas contra os que lutavam pela redução dos juros. Lessa lembrou que Levy se levantou também contra o crédito direcionado — o empréstimo que o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil dão a taxas menores do que a taxa Selic do BC —, porque essa massa de dinheiro ficava fora da influência da equipe econômica. Chegaram a dizer que a culpada pela alta da Selic era a manutenção da TJLP em patamares relativamente baixos. O próprio presidente do BC, Henrique Meirelles, disse que o juro era alto no Brasil porque havia crédito direcionado.

 

 

 

Peso da queda dos "ortodoxos"

 

Após o susto com a divulgação do medíocre crescimento do PIB no ano passado, a pressão pela redução da TJLP aumentou. Um estudo da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) apontando a necessidade de redução da taxa foi enviado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao vice-presidente José Alencar e aos ministros que então integravam o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, como Antonio Palocci (Fazenda), Dilma Rousseff (Casa Civil) e Luiz Furlan (Desenvolvimento).

 

Não é possível, ainda, avaliar o peso da queda dos "ortodoxos" da área econômica na decisão do CMN. Mas os "analistas" de mercado se apresaram em dizer que a queda da TJLP contribuirá para desacelerar o ritmo de queda da taxa Selic nos próximos meses. Para eles, o descompasso entre a TJLP e os juros básicos é um dos fatores que reduzem a eficiência da política monetária no Brasil.

 

 

Falta uma conta básica

 

Segundo esses "ordodoxos", que contam com generosos espaços na mídia, a questão é que a Selic influencia apenas o custo do crédito com recursos livres, mas não o do crédito direcionado, que equivale a 33% do volume total de financiamentos na economia. Nesse cenário, dizem, para o BC manter a inflação sob controle os juros básicos teriam que ficar num nível mais elevado do que seria necessário, já que uma parte expressiva do crédito não é afetada pela Selic.

 

Falta uma conta básica nessa argumentação. A TJLP é calculada com base no "risco-Brasil" e na meta de inflação para os próximos 12 meses. Nessa conta, tendo como base a meta de inflação de 4,5% para 2006 e "risco-Brasil" em 2,5 pontos percentuais, a TJLP seria de 7%. Outra informação que os "ortodoxos" desconsideram: embora os pedidos de consulta para novos financiamentos no BNDES tenham crescido 42% no primeiro bimestre, o BNDES ainda tem dificuldade de demanda — pois as grandes empresas estão conseguindo captar no exterior a custos mais convidativos.

 

 

O Tratado de Maastricht

 

A grita conservadora contra a queda da TJLP na verdade tem a ver com a realização de um elevado superávit primário. Segundo essa lógica, o dinheiro do BNDES teria de entrar no bolo para também ser usado no pagamento de juros da ciranda financeira. A finalidade, dizem eles, é reduzir o déficit nominal e a relação dívida/PIB. Na União Européia (UE), o Tratado de Maastricht, implementado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, estabeleceu, no lançamento do euro, limites para o déficit público nominal (3% do PIB) e para a dívida pública (60% do PIB). Foi Maastricht que inspirou a política brasileira.

 

O Tratado de Maastricht, no campo econômico, é um compromisso com a recessão. A UE está pagando caro por ter deixado sua política macroeconômica na mão de burocratas monitorados por banqueiros. A economia regional está se arrastando e o desemprego se mantém em níveis intoleráveis. O único ponto forte da economia do euro é a supervalorização da moeda, que só interessa à especulação financeira. Prejudica as exportações, contrai a produção, estimula importações e elimina empregos.

 

 

Metas são um fetiche

 

Comparada aos Estados Unidos e à própria Inglaterra, a economia da zona do euro é um retumbante fracasso, com excesso de estabilidade e quase nenhum crescimento. A razão disto é justamente a política fiscal contracionista que os países europeus se impuseram. E a situação só não está pior porque grandes países, como França e Alemanha, estão simplesmente furando as metas fiscais.

 

Na realidade, essas metas são um fetiche. Não houve nenhuma explicação razoável para os tetos do déficit e da dívida. Foram fixados em 3% e 60%, mas poderiam ser metade disso, ou um terço mais, que dava no mesmo. Não existe nas teorias econômicas, mesmo as de matriz liberal, nada que justifique uma meta fixa para déficit e para dívida. As metas de Maastricht são arbitrárias e, em última instância, ideológicas. Os líderes políticos que as aprovaram provavelmente não sabiam que estavam embarcando numa aventura liberalizante.

 

 

Virada de rumo na economia

 

O objetivo é atender a uma entidade mágica chamada "mercado". Como os títulos públicos europeus rendem, em média, uns 5%, os juros de uma dívida de 60% do PIB correspondem a 3% dele. Isso significa que o Estado pode ter déficit (3%) apenas para pagar juros, e não para fazer investimentos ou custear serviços públicos. Trata-se de uma regra de caráter ideológico, anti-Estado, no interesse sobretudo dos segmentos financeiros especulativos. Impede a retomada do crescimento e, sobretudo, mantém o desemprego.

 

Os tecnocratas de Palocci e Malan macaquearam as metas de Maastricht para nos enquadrar em condições fiscais ainda mais restritivas. Em lugar de um teto para o déficit nominal, estabeleceram uma meta de superávit primário. Entretanto, como praticam taxas de juros básicos exorbitantes, não têm um compromisso muito firme em reduzir a relação dívida/PIB, mesmo porque o PIB cresce lentamente e o superávit requerido passa a ser proibitivo. Em síntese: a política fiscal-monetária posta em prática no Brasil é economicamente injustificável, regressiva e socialmente perversa. Por tudo isso, a queda da TJLP deve ser saudada como um sinal positivo para a necessária virada de rumo da economia brasileira.

 

Com agências