Espanhóis relembram 70 anos de início da guerra civil

Há 70 anos um golpe de estado militar contra o governo da República Espanhola transformou-se numa guerra civil que incendiou o país durante três anos, provocou entre 475 mil e um milhão de mortos e foi o ensaio geral da Guerra Mundial que se seguiu.

Além de Hitler, Mussolini e demais fascistas europeus que à época encabeçavam os governos de seus países, o ditador português Salazar também deu o máximo de apoio possível aos golpistas. Quando Franco entrou em Madri, Salazar disse, triunfante: “Ganhamos!”


  • Alô, Ávila? Aqui Madri. Como vai isso por aí? 
    Vai-te f….. Viva o Cristo-Rei!

  • Alô, Huesca? Quem fala?
    — O Comité Operário de Madri.
    — Não por muito mais tempo, balde de m….. Arriba, Espanha!”

Durante toda a noite de 18 de julho de 1936, diálogos como estes, relatados pelo escritor francês André Malraux em “A Esperança”, mostraram como se tinha tornado realidade a frase celebrizada pelo filósofo Ortega y Gasset: já não havia uma, mas sim “duas espanhas”, divididas e irreconciliáveis.


Segunda República


Em 1931, os partidos monarquistas sofreram um desastre nas principais cidades nas eleições autárquicas e o rei Afonso XIII partiu para o exílio. Foi proclamada a II República espanhola, inicialmente governada por liberais da direita moderada. Conspirações e tentativas de golpe, como a do general José Sanjurjo, em 1932, foram facilmente dominadas.


Em 1934, uma greve geral nas minas das Astúrias levou o governo a enviar o exército para reprimir os trabalhadores. O batalhão foi comandado por Francisco Franco, um jovem general que ganhara prestígio na guerra de Marrocos, na década de 1920. A repressão deixou cicatrizes na memória dos mineiros asturianos e dos seus simpatizantes em toda a Espanha.


Dois anos depois, a Esquerda ajustou contas nas eleições gerais de fevereiro de 1936. Republicanos moderados e de esquerda, chefiados pelo futuro presidente Manuel Azaña, autonomistas catalães, nacionalistas bascos, socialistas, comunistas e trotskistas uniram-se na Frente Popular, apoiada nas urnas, pela primeira vez na história do movimento operário internacional, pelos anarquistas.


Do outro lado estava o Bloco Nacional, composto pela Confederação Espanhola das Direitas Autônomas; os católicos da Ação Popular; os monarquistas da Renovação Espanhola; carlistas (monarquistas tradicionalistas); republicanos conservadores; e a Falange de José António Primo de Rivera, partido auto-intitulado “nacionalista revolucionário”, com afinidades em relação ao fascismo italiano. A esquerda ganhou.


Séculos de domínio da Igreja e dos poderosos na pátria da Inquisição tinham criado um fosso de ódio e ressentimento do tamanho de toda a Espanha. Desde que chegou ao poder, a coligação foi pressionada pelos influentes sindicatos UGT (socialista) e CNT (anarquista), ansiosos por políticas progressistas – anticlericais e anticapitalistas – e pelos nacionalistas bascos e catalães, desejosos de autonomia.


A oposição de direita resistia à mudança e apelava aos militares para impedirem a “revolução”. Sucediam-se os confrontos. Padres e freiras, claramente favoráveis aos golpistas, eram insultados na rua. As igrejas começaram a ser vandalizadas. A tropa conspirava com a alta finança: o empresário Juan March financiou o golpe.


Matança em Badajoz


Dos assassinatos que funcionaram como faísca que detonou a guerra — do tenente socialista Castillo às mãos de pistoleiros da direita e do direitista Calvo Sotelo por republicanos. Entre os mais chocantes conta-se a matança dos sobreviventes republicanos da conquista de Badajoz pelos mouros e legionários do coronel Juan Yague.


Ministros anarquistas


No próprio dia 18 de Julho de 1936 começou a guerra civil na Espanha. Apesar de o burguês Azaña ocupar a Presidência da República, o primeiro-ministro Giral autorizou a distribuição de armas aos sindicatos para que ajudassem os militares fiéis ao governo a enfrentar os golpistas. Nos dias seguintes houve batalhas de rua em Madri, Barcelona, Saragoça e outras cidades importantes. As milícias populares obtiveram alguns êxitos contra os golpistas.


Enquanto os republicanos de esquerda se mantinham teoricamente na coligação, a chefia do governo passou para os socialistas Largo Caballero, apelidado por alguns de “Lenin espanhol”, e depois para o médico Juan Negrin, próximo dos comunistas. Estes, liderados por José Diaz e por Dolores Ibarruri, a célebre “Pasionaria”, partiram de um peso eleitoral pouco significativo até ganharem influência decisiva no campo republicano.


Os anarquistas foram dos principais instigadores dos incêndios de igrejas e do fuzilamento de padres. Em 1937, dá-se um “fenômeno” que contradiz a própria “lógica” do anarquismo – a negação de todo o poder de Estado: dois dirigentes anarquistas tornam-se ministros do governo de Madri. Federica Montseny fica com a Educação e Garcia Olíver com a Justiça.


Balanço sangrento



  • Mortos em combate: 320.000

  • Vítimas civis de bombardeamentos: 15.000

  • Vítimas de incidentes diversos: 10.000

  • Vítimas de execuções sumárias: 130.000

  • Mortos: 200.000

  • Vítimas da repressão franquista: 192.684

  • Refugiados: entre 300.000 e 350.000

  • Mortos: entre 475.000 e 1 milhão

Símbolo da causa republicana


O bombardeio, em 26 de abril de 1937, da cidade basca de Guernica por aviões alemães da Legião Condor, tornou-se um ícone do antifascismo. Picasso, nomeado pelo governo para representar a República na Exposição Universal de Paris, pintou em tempo recorde um quadro que ficou como um marco na História da arte. Hoje pode ser admirado no Museu Rainha Sofia, em Madrid.


Alguns episódios



Garcia Lorca fuzilado


Entre os milhares de fuzilados dos dois lados, um dos poetas é um dos símbolos da guerra civil. Garcia Lorca foi morto pelos rebeldes em Granada, em 1936. O falangista Sánchez Mazas teve mais sorte: sobreviveu, protegido pelos cadáveres. A sua história deu origem ao livro ‘Soldados de Salamina’.


Quinta coluna


Em maio de 1937, em Barcelona, as divergências entre anarquistas e trotskistas do POUM, de um lado, e comunistas do PCE, do outro, transformaram-se em guerra aberta. Quando o líder fascista espanhol Francisco Franco preparava-se para marchar sobre Madri com quatro colunas, o general Queipo de Llano disse: “A quinta coluna está esperando para saudar-nos dentro da cidade.” Pela primeira vez, o mundo ouvia a palavra fatídica — “quinta-coluna”. Era uma referência ao ultra-esquerdista Partido Operário de Unificação Marxista (POUM), que aderira à política de Leon Trotski e promovia uma frenética propaganda contra o governo republicano. Em 1937, o partido apelou para “uma ação resoluta” a fim de derrubar o governo republicano. O POUM dizia que praticava uma oposição “revolucionária”, mas, na prática, como disse o general Llano, era uma importante linha auxiliar dos fascistas.


Brigadas


De todo o mundo vieram voluntários lutar ao lado da República contra o fascismo. Foram integrados nas Brigadas Internacionais, enquadradas por dirigentes da Internacional comunista, como o francês André Marty. As Brigadas Internacionais se retiraram em outubro de 1938, depois de uma despedida emocionante da “Pasionaria”, em Barcelona.


O fim


A República resistiu até 1.º de abril de 1939. O Exército Popular, chefiado por generais como Miaja e Líster, permitiu-lhe ir sobrevivendo. Em 1938, as tropas de Franco chegaram ao Mediterrâneo e, em janeiro de 1939, conquistaram Barcelona. Madri caiu em março. Os membros do governo e o presidente Azaña, que tinham transferido a capital para Valência, partiram para o México e para França.