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Caso 'Bradesco/Osasco': em defesa do esporte nacional

O recente caso da suspensão do patrocínio do time de vôlei feminino de Osasco pelo banco Bradesco, no Estado de São Paulo, convida a algumas reflexões sobre o esporte nacional e suas condições. Um tema dessa natureza não pode ficar somente ao sabor dos

O time de vôlei feminino de Osasco, assim como outras entidades semelhantes pelo país afora, é na verdade um eixo complexo de relações com a comunidade, e isso tem que ser respeitado. O caso merece reflexão, inclusive, por parte das autoridades competentes no campo do esporte, sobre regras e regulamentações que, sem tolher a liberdade das iniciativas, devem orientar o cumprimento dos compromissos assumidos nessa área, uma vez que eles se referem a sonhos, aspirações, desejos legítimos dos indivíduos e das comunidades atingidas pelas decisões.



Histórico



O Bradesco iniciou seu namoro com o vôlei no início da década de oitenta, quando adquiriu a companhia de seguros Atlântica Boavista. Na ocasião, a Atlântica Boavista já mantinha há alguns anos no Rio um grande time de vôlei masculino, que contava com alguns astros da chamada “geração de prata”, como Bernard, Bernardinho, Suíço e outros. O rival do time carioca era a Pirelli, que mantinha em São Paulo outro timaço, que contava, por exemplo, com William, Renan e Montanaro.



Atlântica/Bradesco e Pirelli foram empresas pioneiras no patrocínio aos esportes olímpicos coletivos no Brasil. No vôlei feminino, além da própria Pirelli, teve destaque a empresa Supergasbrás, que também montou grande equipe. Entre as moças, os destaques desse período eram nomes como Isabel, Jacqueline e Vera Mossa. Todas essas experiências duraram poucos anos. No caso da Pirelli, a empresa optou por abandonar o vôlei e fazer uma famosa parceria com o futebol do Palmeiras, levando para administrar o clube o até então técnico de vôlei Luiz Carlos Brunoro.



Em meados dos anos oitenta, o Bradesco montou também um grande time de basquete no Rio, que então amargava duas décadas de inferioridade em relação ao basquete paulista. Dessa equipe, fizeram parte Carioquinha, Marquinhos e Paulinho Villas-Bôas.



Em 1986, sem mais nem menos como agora, o Bradesco anunciou a dissolução de suas equipes masculina e feminina de vôlei. O detalhe é que ambas, naquele ano, eram as primeiras colocadas no ranking nacional.



O interesse do Bradesco parecia ter se voltado ao basquete. Em 1987, sob o nome BCN (pequeno banco que havia sido adquirido pelo Bradesco), montou um timaço feminino que contava com Magic Paula e Janeth. Durante 13 anos, o BCN ganhou quase tudo o que disputou no Brasil. Chegou até mesmo a conquistar o Mundial de Clubes em 1998, mas, ainda assim, o Bradesco, no estilo de sempre, anunciou unilateralmente sua dissolução em 2000.



Nesse meio tempo, em 1993, a marca BCN foi utilizada pelo Bradesco também para criar um time de vôlei. No início, a equipe tinha estrelas como Márcia Fu, Leila e Virna. O mesmo time teve, anos depois, seu nome mudado para Finasa ao mesmo tempo em que iniciou parceria com a Prefeitura de Osasco. Sob o nome Osasco/Finasa, esse time chegou às finais das oito últimas edições da Superliga, tendo sido tricampeão em 2003/2004/2005.



Como no passado, o sucesso da equipe Osasco/Finasa não garantiu a continuidade do apoio do Bradesco. A parceria desfeita agora durou 16 anos, e estima-se que o Bradesco investiu uma média de R$ 12 milhões por ano no vôlei feminino. No time atual, jogavam algumas das melhores atletas brasileiras do momento, como as campeãs olímpicas Paula Pequeno, Sassá e Carol Albuquerque.



Debandada ou novos rumos?



Após a decisão do Bradesco, a Brasil Telecom também anunciou o fim da equipe BrT/Brusque, que chegou em quarto lugar na última Superliga. A empresa farmacêutica Medley e a universidade Ulbra também anunciaram o fim do apoio que davam às equipes feminina do Santo Amaro e masculina do Suzano, ambas no interior de São Paulo. Rumores indicavam que a Unilever, patrocinadora da equipe Rexona/Rio de Janeiro, também iria se retirar, mas a empresa soltou nota afirmando que apenas estuda a possibilidade de trocar o nome da equipe.



A desistência anunciada pelo Bradesco fez com que a Fiesp anunciasse estar estudando a possibilidade de assumir a equipe do Osasco por intermédio de uma parceria com o Sesi-SP. Se o acordo fosse adiante, a equipe seria transferida para a cidade de Barueri, mas o orçamento anual cairia para cerca de R$ 5 milhões anuais. O Botafogo, que estava investindo na reestruturação de seus esportes olímpicos, também anunciou estar em contato com investidores privados para assumir o time do Osasco, que viria para o Rio.



Por dentro do programa



De acordo com os responsáveis, o Finasa Esportes consiste num programa social realizado em parceria com a Prefeitura do município de Osasco. Por meio de práticas esportivas (vôlei e basquete), desenvolve ações de educação, saúde e bem-estar para crianças e adolescentes do sexo feminino, com o objetivo de conscientizá-las para que se tornem protagonistas de suas vidas.Ainda segundo eles, o programa proporciona a iniciação na prática esportiva para meninas de 9 a 18 anos. Além de formar atletas, mantém equipes femininas profissionais e amadoras e estimula a difusão do esporte. Jovens de comunidades carentes têm preferência na participação, e a freqüência e o bom desempenho escolar são as únicas exigências.



Atualmente, atendem-se cerca de 3 mil meninas, divididas em 54 Núcleos de Formação, e 173 atletas, em outros 13 Núcleos de Especialistas.Os Núcleos contam com 147 profissionais e estão localizados na Fundação Bradesco, nos centros esportivos da Prefeitura de Osasco, em uma unidade do Sesi no município, em escolas da rede pública (estadual e municipal) e em escolas particulares.Nos Núcleos de Formação, todas as alunas têm acesso garantido à educação esportiva de qualidade, independentemente de suas características físicas – como peso e altura – ou mesmo de habilidades esportivas.Os Núcleos de Especialistas reúnem as equipes de base. Conforme a categoria em que as jovens se enquadram, o programa oferece uma estrutura de apoio com benefícios como seguro de vida, plano de saúde e todo o material esportivo utilizado durante os treinamentos e nas competições. Elas recebem acompanhamento médico, psicológico, fisioterápico e nutricional, além de informações regulares sobre temas de interesse, como higiene, estresse, adolescência, prevenção contra o uso de drogas e gravidez precoce.



Além de contribuir para uma vida mais saudável, outro resultado da prática esportiva é a própria formação de atletas de alto nível, possibilitando a participação de jogadoras na equipe Adulta de Vôlei do Finasa/Osasco e nas seleções brasileiras de Vôlei e Basquete feminino – Infantil e Juvenil.O Finasa Esportes foi o primeiro programa esportivo social a receber recursos de incentivo fiscal disponibilizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conforme acordo firmado, em 2003, entre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e o Ministério do Esporte. Em 2007, o montante de R$ 1,94 milhão teve como origem incentivos fiscais. O Banco Finasa investiu R$ 2,857 milhões. Além da Prefeitura de Osasco, o projeto conta com o apoio da Bradesco Seguros e Previdência, da Bradesco Saúde e da Fundação Bradesco.



Por dentro do problema



Nos bastidores e fora das laterais dos campos, correram muitas versões sobre o que ocorreu para motivar esse decisão aparentemente intempestiva, mas em todo caso unilateral do Bradesco.



A mais citada por inúmeras fontes se prende à substituição ocorrida na presidência do banco. A saída de Márcio Cypriano teria sido motivada porque ele foi responsabilizado por “permitir” que o Bradesco fosse ultrapassado no ranking dos bancos pelo Itaú, depois deste ter comprado o Unibanco. A junção do Real e do Santander também estaria ameaçando a posição do Bradesco, e o Banco do Brasil estaria ganhando mais espaço em termos de ter o nome vinculado ao esporte, sob o olhar complacente da Confederação Brasileira de Vôlei. Tudo ficou sendo posto na conta (em vermelho) de Cypriano. Depois de sua saída, criou-se um clima de retirar “todas as marcas” da gestão de Cypriano, e o vôlei fora uma delas.



Também teria influenciado na decisão uma disputa com a mídia sobre a presença do nome “Finasa” nas transmissões dos jogos da equipe. Na mídia – Globo à frente – só aparecia o nome “Osasco”. Nos últimos anos não havia qualquer referência ao nome “Osasco” na camiseta do time, o que só poderia ser, aparentemente, uma decisão do patrocinador. Ainda assim, nas transmissões, o único nome citado era o de “Osasco”. Isso teria fornecido o motivo ou pretexto para o fim do patrocínio, pois a exposição do nome “Bradesco/Finasa” não seria satisfatório em termos de retorno.



Nos anúncios derivados do episódio, chegou-se a mencionar o fato de que a decisão atingiria apenas o time principal, de adultas, que os programas sociais continuariam. Mas sem o estímulo e a visibilidade de um grande time, teriam eles o mesmo alcance e a mesma repercussão? Fica a dúvida. Por outro lado, o prefeito de Osasco, Emídio de Souza, anunciou que haverá esforços no sentido de que o time permaneça em Osasco, com novos patrocinadores, que estariam sendo contatados.



Fica a constatação de que um tema dessa sensibilidade e de tal alcance social e cultural não pode ficar entregue apenas ao sabor de decisões unilaterais de empresas e entidades patrocinadoras, sem um mínimo de transparência sobre as suas origens, natureza e caráter. Estivesse o Bradesco em regime de contenção de despesas (não parece ser este o caso) por conta da crise financeira ou por outro motivo, que viesse a público dar explicações. De qualquer modo sabe-se que decisões desse tipo, por conta de motivos financeiros, não são tomadas de uma hora para outra. E o esporte, além de estimular a consciência cidadã através de seus programas, é também um forte fator de identidade cultural, gerando auto-estima, espírito coletivo, solidariedade, além de poder desenvolver aspectos saudáveis, contra os negativos, de competitividade.



Ganhar ou perder, ganhar e perder fazem parte da vida, e é benéfico que se enfrentem tais situações, sabendo perder e ganhar (este último é mais difícil), no campo esportivo. Não saber perder pode levar a frustrações contumazes e contínuas, com danos individuais e coletivos por vezes irreversíveis; não saber ganhar pode levar a situações danosas, como a aqui evocada, quando ao se vencer uma disputa qualquer se é levado a querer fazer terra arrasada do terreno do adversário, com conseqüências desastrosas para as comunidades envolvidas. Fica a sugestão de que os responsáveis –públicos e privados – deviam atentar para este tema, levando em conta outras motivações que as de mercado, mídia e as intrigas internas ou externas das instituições envolvidas.