Ameaças à Coréia Democrática: EUA e Japão e a mania dos mísseis

A histeria em torno do possível lançamento de um míssil norte coreano esteve na origem de uma crise artificial. Apesar de todo o clamor de ameaça, não há na verdade nenhum perigo real a não ser aquele da reação do

Diz-se que o míssil norte coreano Taepodong-2 tem um alcance que lhe permitiria atingir o Alasca e talvez mesmo a costa oeste dos EUA. A Federação de Cientistas Americanos estima no entanto que esse alcance seja muito menor. (1) Conhece-se muito pouca informação concreta sobre o míssil Taepodong-2, ainda por testar, e a questão do seu alcance é um domínio de conjecturas. Por essa razão, as autoridades norte americanas admitiram não poderem assegurar que o tal míssil se trata de fato de um Taepodong-2. (2) Alguns relatórios indicaram que o míssil mede aproximadamente 30 metros de comprimento enquanto se pensa que o Taepodong-2 mede 35 metros de comprimento. A menção do míssil Taepodong-2 baseia-se em suposição, não em fatos.

As autoridades do Japão e EUA ameaçaram impor sanções adicionais à Coréia do Norte se esta prosseguir com o lançamento de um míssil. Têm mesmo havido rumores de um bloqueio naval, um ato de guerra ao abrigo do direito internacional. A administração Bush não precisou ainda as suas intenções, no entanto Peter Rodman, assistente do secretário de Estado da Defesa para Assuntos de Segurança Internacional, avisa, "Procuraríamos impor alguma forma de custo à Coréia do Norte". (3)

Entretanto há aqueles que procuram a implementação de medidas militares. Os EUA ativaram o seu sistema de defesa anti míssil e há rumores acerca de usar o míssil coreano como treino de "tiro ao alvo." (4) A única preocupação expressa em relação a uma provocação desta envergadura é que há o risco de os EUA serem humilhados caso não consigam interceptar o míssil. Como se isso não bastasse, Democratas proeminentes da ala direita têm procurado pressionar a administração Bush com tomadas de posição extremas. William Perry, antigo secretário da Defesa na administração Clinton, e o seu assistente, Ashton B. Carter, escreveram uma crônica no Washington Post defendendo um ataque com mísseis de cruzeiro ao míssil norte coreano enquanto este está imóvel na sua plataforma de lançamento. O antigo vice-presidente Walter Mondale seguiu-se de imediato instando a administração Bush a dizer à Coréia do Norte que desmantele o seu míssil ou "nós vamos lá buscá-lo". Mondale refere-se à Coréia do Norte como sendo "deveras perigosa" devido ao seu "líder paranóico". Perguntar-se-ia quem aqui está a ser realmente paranóico. (5)

A impressão dada pelas autoridades dos EUA e os órgãos noticiosos é que há algo de terrivelmente sinistro e ameaçador num lançamento de um míssil. As autoridades sul coreanas relembram que a forma como a Coréia do Norte preparou o lançamento dá a entender que o seu propósito é o de pôr um satélite em órbita, uma actividade rotineira para um grande número de nações. (6) O anterior lançamento de um satélite norte coreano, montado num Taepodong-1 em 1998, acabou por fracassar. O que parece estar a passar ao lado desta discussão é que a Coréia do Norte tem o direito de, ao abrigo da lei internacional, lançar um satélite ou mesmo testar um míssil. Que este lançamento esteja a ser tão aberta e emocionalmente contestado é um sinal evidente da deterioração do discurso político nos EUA.

Han Song-Ryol, o delegado do embaixador norte coreano para a ONU, ofereceu-se para acalmar a situação através do diálogo. "Os Estados Unidos dizem estar preocupados com o nosso míssil e o seu lançamento de teste. A nossa posição é, 'Certo então, vamos falar sobre isso'." (7) Como era de se esperar a sua sugestão foi sumariamente repudiada pela administração Bush, que continua a desvalorizar um diálogo cara-a-cara com a Coréia do Norte. O embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, gabou-se: "Normalmente não se principiam conversas ameaçando lançar mísseis balísticos intercontinentais, e não é maneira de produzir uma conversa porque ao transigir num comportamento aberrante não se está senão a instigar uma sequela." (8) Nem Bolton nem mais ninguém comentou esse mesmo "comportamento aberrante" por parte dos EUA quando ensaiou o disparo de um Minuteman III ICBM no dia 14 de junho. O míssil voou 4.800 milhas (7.725 km) antes de as suas três ogivas encontrarem o campo de testes de mísseis das ilhas Marshall. (9) O fato de as autoridades e os meios de comunicação dos EUA condenarem a Coréia do Norte por estar a preparar um lançamento, precisamente ao mesmo tempo em que os EUA estavam a levar a cabo o seu próprio lançamento de teste, não passa de mais um colossal exemplo de hipocrisia.

A administração Bush relembrou bem que o lançamento de um míssil por parte da Coréia do Norte consistia numa violação da moratória norte coreana sobre o teste de mísseis de médio e longo alcance. No entanto, esse compromisso foi unilateral. A moratória da Coréia do Norte foi implementada em 1999 após os EUA terem concordado em suspender algumas sanções econômicas, uma promessa que nunca se chegou a materializar.

O acordo sobre princípios gerais de desarmamento nuclear, alcançado nas negociações a seis partes em setembro do ano passado, obrigava os EUA a encetarem a normalização das relações com a Coréia do Norte. Em vez disso, os EUA escolheram impor sanções econômicas adicionais, segundo parece devido a contrafacções. Primeiro a administração Bush coagiu um banco de Macau a fechar contas norte coreanas, apesar de o banco contestar que as suas relações financeiras com a Coréia do Norte eram legítimas e comerciais. Depois continuou nesta linha impondo sanções contra oito firmas de importação e exportação norte coreanas. Em consequência do desenlace do processo levantado ao banco de Macau, outros bancos que lidavam com a Coréia do Norte cortaram as suas relações após receberem avisos por parte do Departamento do Tesouro dos EUA. "O impacto é profundo", observou Nigel Cowie, diretor geral do Daedong Credit Bank. "Não posso falar pelo que se passou em todas as situações, mas posso afirmar que, no nosso caso, foram prejudicados muitos empreendimentos legítimos". As sanções, comentou Stuart Levy, sub-secretário do Departamento do Tesouro, exerceram uma "forte pressão" sobre a Coréia do Norte, e tiveram um "efeito de bola de neve… avalanche." (10) Dadas as circunstâncias, a contínua adesão norte coreana à moratória sobre testes de mísseis começava a parecer definitivamente unilateral.

O vice-presidente Dick Cheney rejeitou os apelos a um ataque de mísseis de cruzeiro ao míssil norte coreano, respondendo que, "É óbvio que se se forem lançar ataques a outra nação, é melhor que se esteja preparado para não se disparar um tiro só". (11) Não há dificuldade em reconhecer que o conjunto militar norte coreano constituiria um adversário feroz, e qualquer ataque é uma fonte provável de retaliação militar. Os acontecimentos poderiam rapidamente ascender a um conflito militar que sairia caro aos EUA numa altura em que a resistência iraquiana está a dar que fazer a tantas tropas. No entanto a situação mantém-se precária. Outras ações discutíveis, como a intercepção do míssil após o seu lançamento ou a imposição de um bloqueio naval, são atos de guerra que, como tal, arriscam-se a provocá-la. Nos tempos que se seguem a administração Bush pode bem vir a achar irresistíveis as pressões bélicas da ala direita Democrata e dos meios de comunicação. São precisas cabeças frias para pensar esta situação, mas estas parecem estar em baixa no seio de uma liderança política tão acostumada a agitar os sabres.

[*] Autor de "Strange Liberators: Militarism, Mayhem, and the Pursuit of Profit" , 2005, 424 pgs., ISBN 1-59526-570-8.

O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/. Reproduzido do sítio Resistir: http://resistir.info/ .