Timor Leste: o golpe que mundo não percebeu

O Vermelho reproduz aqui artigo publicado no sítio Resistir, assinado por John Pilger, no qual o autor descreve a fase mais recente da luta do Timor Leste pela sua independência. Na década de 1990, John Pilger foi cobrir

No meu filme de 1994, "A morte de uma nação" (Death of a Nation) há uma cena a bordo de um avião a voar entre o norte da Austrália e a ilha de Timor. Decorre uma festa; dois homens engravatados estão brindando com champanhe. "Isto é um momento histórico único", exulta Gareth Evans, ministro das Relações Exteriores da Austrália, "um momento histórico verdadeiramente único". Ele e o seu homólogo indonésio, Ali Alatas, estavam celebrando a assinatura do Tratado do Estreito de Timor (Timor Gap Treaty), o qual permitiria à Austrália explorar as reservas de gás e petróleo no fundo do mar de Timor Leste. O prêmio supremo, como disse Evans, eram "zilhões" de dólares.

O conluio da Austrália, escreveu o professor Roger Clark, uma autoridade mundial em direito do mar, "é como comprar uma coisa de um ladrão… o fato é que eles não têm direito histórico, nem legal, nem moral sobre Timor Leste e os seus recursos". Debaixo deles jazia uma pequena nação, então a sofrer uma das mais brutais ocupações do século 20. A fome imposta e o assassínio extinguiram um quarto da população: 180 mil pessoas. Proporcionalmente, isto foi uma carnificina maior do que aquela no Cambodja de Pol Pot. A Comissão da Verdade das Nações Unidas, que examinou mais de mil documentos oficiais, relatou em janeiro que governos ocidentais partilharam responsabilidades pelo genocídio; pela sua parte, a Austrália treinou a "Gestapo" da Indonésia, conhecida como Kopassus, e seus políticos e jornalistas principais divertiram-se junto com o ditador Suharto, descrito pela CIA como um assassino em massa.

Atualmente a Austrália gosta de apresentar-se como um vizinho prestativo e generoso de Timor Leste, depois da opinião pública ter forçado o governo de John Howard a enviar uma força de manutenção da paz da ONU seis anos atrás. Timor Leste é agora um estado independente, graças à coragem do seu povo e à tenaz resistência dirigida pelo movimento de libertação Fretilin, que em 2001 ganhou o poder político nas primeiras eleições democráticas. Nas eleições regionais do ano passado, 80% dos votos foram para a Fretilin, dirigida pelo primeiro-ministro Mari Alkatiri, um "nacionalista econômico" convicto, que se opõe à privatização e à interferência do Banco Mundial. Um muçulmano secular no país sobretudo Católico Romano, ele é, acima de tudo, um anti-imperialista que enfrenta as exigências ameaçadoras do governo Howard por uma partilha injusta das benesses do petróleo e do gás do Estreito de Timor.

Em 28 de abril último uma seção do exército timorense amotinou-se, ostensivamente, acerca de pagamentos. Uma testemunha ocular, a repórter de rádio australiana Maryann Keady, revelou que oficiais americanos e australianos estavam envolvidos. Em 7 de maio, Alkatiri descreveu os tumultos como uma tentativa de golpe e disse que "estrangeiros e gente de fora" estavam tentando dividir o país. Um documento escapado da Australian Defence Force revelou que o "primeiro objetivo" da Austrália em Timor Leste é "ganhar acesso" para os militares australianos de modo a que possam exercer "influência sobre os poderosos de Timor Leste". Um "neo-con" bushista não teria dito melhor.

A oportunidade para "influenciar" surgiu em 31 de maio, quando o governo Howard aceitou um "convite" do presidente de Timor Leste, Xanana Gusmão, e do ministro das Relações Exteriores, José Ramos Horta – que se opõem ao nacionalismo de Alkatiri – para enviar tropas para Dili, a capital. Isto foi acompanhado por reportagens tipo "nossos rapazes em missão de salvamento" na imprensa australiana, juntamente com uma campanha de difamação contra Alkatiri como um "ditador corrupto". Paul Kelly, antigo editor-chefe do Australian de Rupert Murdoch, escreveu: "Isso é uma intervenção altamente política … a Austrália está operando como uma potência regional ou um hegemonista político que modela a segurança e o porvir político". Tradução: a Austrália, tal como o seu mentor em Washington, tem um direito divino a mudar o governo de um outro país. Don Watson, redator dos discursos dos antigo primeiro-ministro Paul Keating, o mais notório apologista de Suharto, incrivelmente escreveu: "A vida sob uma ocupação assassina pode ser melhor do que a vida num estado fracassado…"

Ao chegar com uma força de 2000 homens, um brigadeiro australiano voou de helicóptero diretamente para o quartel general do líder rebelde, major Alfredo Reinado — não para prendê-lo pela tentativa de derrubar um primeiro-ministro democraticamente eleito, mas para cumprimentá-lo calorosamente. Tal como outros rebeldes, Reinado foi treinado em Canberra.

Dizem que John Howard ficou agradecido com o título de "vice-xerife" do Pacífico Sul, atribuído por George W. Bush. Recentemente ele enviou tropas para reprimir uma rebelião nas Ilhas Salomão, e oportunidades imperiais acenam em Papua Nova Guiné, Vanuatu e outras pequenas nações insulares. O xerife aprovará.

O original encontra-se em New Statesman e em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=402

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/.